O autor que, por exemplo, diz algo já dito por um, e em seguida algo já dito por outro, por englobar em sua obra ambos os ditos, algo de novo já produziu: criando uma nova unidade, já se pode considerar original. É o mesmo que se passa com o estilo, quase sempre uma espécie de mescla, uma espécie de concatenação pessoal de diferentes traços aprendidos em fontes diferentes que, em conjunto, adquirem uma unidade inédita. Assim como não se cria do nada, aquilo que se cria só conscientemente dispensa a qualidade de criação.
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Simultaneamente ao fato de que ao escritor…
Simultaneamente ao fato de que ao escritor, hoje, parece impossível esboçar uma linha sem o auxílio de um computador, isto é, sem esta maravilhosa ferramenta que possibilita o dispor de uma montanha de dados organizada, acessível e, sobretudo, na qual se pode pesquisar qualquer coisa em segundos, concorre o fato de que nem esta, nem qualquer automatização é bem aproveitada quando não se sabe realizar o processo sem ela. Quer dizer: é preciso aproveitar-se, mas não depender dela para que o trabalho seja feito; o que significa, em outras palavras, entender suas possibilidades e limitações.
São muitos os exemplos de belas obras iniciadas…
São muitos os exemplos de belas obras iniciadas apenas tardiamente, mas é raro encontrar um grande escritor que não se tenha aventurado na escrita bem antes de ser capaz de produzir algo de valor. Em verdade, o capacitar-se a fazê-lo é justamente praticar até que adquira o domínio da prática, é experimentar, errar e aprender. O que por isso não se adquire é a bagagem do estudo e da experiência; mas por isso, e só por isso, adquire-se a capacidade de escrever bem.
De todas as características do intelectual moderno…
De todas as características do intelectual moderno, tal como concebido por Paul Johnson, talvez nenhuma cause mais estranhamento — ou seria vergonha? — do que essa desmedida vaidade, que não se limita a um alto conceito que o intelectual faz de si, mas pretende uma dívida inata dos outros para consigo mesmo. Que dizer? Faltam palavras para essa pretensão, bem ilustrada pelas divertidíssimas “begging letters”. Nada anormal na aflição proveniente da ausência de meios, acaso geradora de um sentimento de injustiça, tal como experimentado por Raskólnikov. Mas este, ao menos, age; ainda que imprudentemente, busca pelo ato próprio aquilo que julga merecer. Um delírio, é verdade, mas o emprego da força denota a consciência da ineficácia do argumento, do disparate que seria a tentativa de convencer alguém de uma dívida em razão de sua superioridade. O intelectual moderno demonstra um descolamento tão grande da realidade que só pode mesmo remontar às questões mais elementares da criação…