A selva, de Ferreira de Castro

A árvore solitária, que borda melancolicamente campos e regatos na Europa, perdia ali a sua graça e romântica sugestão e, surgindo em brenha inquietante, impunha-se como um inimigo. Dir-se-ia que a selva tinha, como os monstros fabulosos, mil olhos ameaçadores, que espiavam de todos os lados. Nada a assemelhava às últimas florestas do velho mundo, onde o espírito busca enlevo e o corpo frescura; assustava com o seu segredo, com o seu mistério flutuante e as suas eternas sombras, que davam às pernas nervoso anseio de fuga.

É curioso ter sido um português, e não um brasileiro, a escrever este romance impressionante. Mas, pensando um pouco melhor, só mesmo um europeu seria capaz de escrevê-lo, colocando em palavras todo o espanto perante esse monstro vegetal, variadíssimo embora compacto, embora aparente uma muralha verde uniforme e infinita, impenetrável, indefectível. Só mesmo um europeu para vê-lo e confrontá-lo com a tão apregoada paz da paisagem campesina, aqui impossível. Mas muito além desta vitalidade agressiva, impiedosa e insaciável, que ladeia rios de largura descomunal, ninguém melhor que um forasteiro para colocar em termos justos o drama humano experimentado neste meio. Quando o impensável realiza-se de contínuo, a mente acostumada acaba perdendo a capacidade de se impressionar.

Todo prefácio é mais ou menos inútil

Todo prefácio é mais ou menos inútil, e por sê-lo de praxe, é natural que, desde a primeira linha, tenda a entediar o leitor. Quer dizer: se algo realmente importante há de ser dito sobre a obra, que seja dito nela. Contudo, a prática legitima os prefácios, ainda que raramente se provem úteis. Mas há prefácios, Deus!, há prefácios que, não satisfeitos com a própria inutilidade, querem porque querem comprometer a obra que ainda nem começou! Nada há de mais irritante do que essa exibição ociosa de erudição, que enche as linhas de termos estrangeiros e pretende expressar uma profundidade de que a própria obra não foi capaz. É lê-los para imbuir-se de uma antipatia imediata e cem por cento desnecessária para com o autor. A pergunta é: por que, meu Deus, por quê?

A impossibilidade de se fazer dinheiro e a inutilidade…

A impossibilidade de se fazer dinheiro e a inutilidade, se não vergonha de se fazer nome num ambiente cultural supinamente miserável deveria fazer com que persistissem nas letras somente aqueles que não podem deixar de fazê-lo. E isso é algo bom. É verdade que, na prática, tal não se efetive senão como tendência; mas já é alguma coisa. Um colosso como Mário Ferreira dos Santos serve, simultaneamente, para afastar os farsantes e motivar os ideais.

O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa

Este destacado romance é merecedor de um lugar no legado que se deve passar adiante de geração para geração, por quanto tempo exista a literatura brasileira. Ainda que se possa alegar possíveis estereótipos, a obra coloca questões seríssimas, e as desenvolve num drama vivo, com personagens convincentes inseridos num ambiente argutamente desenhado. A obra comove porque retrata um poeta na angustiante realidade brasileira, cuja mesquinharia desconhece limites. A vocação literária é-lhe, naturalmente, a definitiva impossibilidade de adaptação ao meio hostil, à qual vocação soma-se o sentimento de dever, que o força a digladiar-se pelo imediato, num conflito interior insuperável bem resumido no título da obra. Trata-se, em suma, de um homem de valor, que afinal não se deixa corromper pelas circunstâncias desfavoráveis e pela pressão constante, especialmente dentro de casa. Fica, para além da crítica social, o questionamento: vale a pena a arte? E embora não afirme, a narrativa evidencia que valer ou não a pena nunca foi a principal questão.