Enquanto, na prosa, a pontuação tem como uma de suas funções primordiais a demarcação lógica do discurso, na poesia esta função parece sempre subordinada à estética dos versos. Há situações em que, instintivamente, percebe-se o verso a repelir a lógica e pedir que corra livre ou que se ignore aquilo que, na prosa, seria obrigatório. Aos que fazem versos e respeitam a língua com a qual trabalham, o mais difícil parece ser dissuadir o cérebro de suas implicâncias, e convencê-lo de que, em poesia, às vezes é proveitoso deixar de lado as exigências do discurso racional.
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A língua sempre tem algo novo a nos ensinar
No estudo da língua, embora pareça, a princípio, que gramáticos, filólogos e similares travam uma verdadeira guerra entre si, e que as desavenças que escancaram diante de nossos olhos pareçam acusações de ignorância ou algo pior, todos eles, se verdadeiros estudiosos da língua ou, melhor, se apaixonados por aquilo que estudam, brindam-nos com observações, no mínimo, merecedoras de atenção. Por organismo vivo que é, por criar-se e recriar-se continuamente, é impossível que a língua não suscite infinitas contradições. E, por mais que nos pareçam, às vezes, descabidas determinadas abordagens, ou nos pareça demasiada pretensão querer observá-la sob uma ótima inteiramente nova, ignorando o legado histórico que nos foi transmitido, a língua, por si só, sempre tem algo a nos ensinar; há nela sempre um aspecto por nós ignorado, seja por razões geográficas, temporais ou quaisquer outras, que pode abrir-nos a visão para novas possibilidades. Por isso, nenhum daqueles que a têm como dimensão necessária pode se permitir o luxo de deixar de estudá-la até o fim da vida; fazê-lo é, simplesmente, desperdiçá-la e desperdiçar-se.
O mais desafiador exercício de concentração e paciência
O mais desafiador exercício de concentração e paciência é, sem dúvida, o escrever rodeado de barulho. Encadear raciocínios com a mente invadida por ruídos exteriores é como colocar um gravador de som no meio de um campo de batalha e, empunhando um violino, atribuir-se a missão de gravar uma música completa. Há, é verdade, ruídos e ruídos. Nenhum deles parece superar a força da voz humana, em suas infinitas manifestações. As palavras, no cérebro que raciocina, parecem invadi-lo e se interporem no espaço que separa os vocábulos do projeto de frase, inviabilizando qualquer formação lógica sólida, exigindo que o esforço se recomece e se recomece de novo. Enfim, é um exercício de resultado quase sempre inútil; exceto pelo fato de que aquele que o pratica com regularidade dificilmente se irritará em outras ocasiões.
O mérito de descolar-se do presente…
O mérito de descolar-se do presente parece residir justamente na dificuldade de fazê-lo. Uma vida dedicada ao futuro ou, noutras palavras, uma vida centrada naquilo que permanece — eis o cenário ideal. Ocorre que, a contragosto, o presente está sempre interferindo, e poder-se-ia indagar se não depende a literatura deste choque, que acaba escancarando o problema da impermanência. Quer dizer: para além da necessidade expressiva, a literatura nasce de uma necessidade de preservação. Mais se afaste de ambas, mais o artista se deteriorará. E assim que, ainda que se possa idealizar um cenário onde os esforços convirjam inteiramente para o duradouro, parece de alguma maneira ser necessário que o presente lembre repetidas vezes sua razão.