Nada há de mais maçante, ao leitor moderno…

Nada há de mais maçante, ao leitor moderno, habitante da metrópole cinzenta, que a tal poesia pastoril. É impossível, para ele, prosseguir além de umas poucas páginas neste gênero poético que não é capaz de suscitar-lhe absolutamente nada. Tal ocorre, em primeiro lugar, por ser o leitor moderno carente da experiência de harmonia para com o meio, indispensável para que se possa abrir um poema pastoril. Tendo sido, desde o nascimento, bombardeado com a agressão visual que é uma metrópole; tendo sempre associado o ambiente comum ao perigo, à possibilidade de um assalto repentino, à sensação de desconforto, insegurança e medo, não poderá ele jamais compreender como pode alguém extrair satisfação do meio. Mas além disso: toda a sua existência foi moldada num ritmo completamente distinto daquele do poeta habituado ao campo, de tal forma que, entre estes, há tão poucas semelhanças psicológicas e comportamentais que se lhes pode dizer definitivamente estranhos.

O futilíssimo apreciador da “beleza”

Talvez seja irreversível a imagem do poeta como o futilíssimo apreciador da “beleza”, como o desocupado cujo objetivo de vida é “tocar corações”. Oh, ridículo! E pensar que poetas foram Dante e Homero… De todo modo, já não há o que fazer. A menos que a poesia prove-se objetivamente indutora de qualidades palpáveis que aquele que a desconhece não possui, e a menos que surja uma corrente de poetas que rompam totalmente com aquilo que se tem feito em poesia, e que estes se tornem conhecidos, tenham suas obras amplamente divulgadas, lidas e relidas, — algo assaz improvável, — tal cenário aparenta definitivo.

Há algo realmente belo no processo de criação…

Há algo realmente belo no processo de criação poética e que somente o poeta pode experimentar. O poema, quando concebido, o mais das vezes parece excelente: dá-se a ideia, que se transfere timidamente ao papel. Aqui, nada há de concreto e bem definido, apenas uma vaga intenção, e uma imagem que parece reluzir. Então vem o esboço, que sai desajeitado, senão desastroso, resultando num como choque de realidade na cabeça do poeta. A ideia, antes brilhante, ora parece má, e sua realização aparenta inviável, não passível de produzir os efeitos que pareciam tão simples e certos. O poeta, pois, tem de decidir: abandona a empresa? prossegue no intento? Optando por esta, segue-se um longo e fatigante trabalho de melhorar o esboço repulsivo, de aproximá-lo o mais possível daquela imagem que lhe pareceu ótima. Então os versos vão sendo seguidamente repetidos em mente e, aos poucos, esta aponta-lhes as falhas, vai modificando-os, substituindo palavras, enquadrando-os num ritmo mais interessante e mais agradável. Finalmente, como quase por milagre, o esboço torna-se um poema, e já não guarda o grosso dos aspectos repugnantes de outrora. Por vezes, há uma aproximação satisfatória da ideia inicial; por outras, algo diferente é alcançado. Chega o momento de os versos, já gravados em mente, descansarem. E, durante um tempo indefinido, inesperadamente, a mente prossegue em seu trabalho, esmerando algumas arestas, apontando soluções novas e, algumas vezes, conferindo um brilho até então inexistente aos versos já talhados. Quando tal ocorre, o poeta, relembrando a impressão amarga suscitada pelo esboço, cotejando este com o resultado final, não pode senão alegrar-se e sorrir.

O meu melhor humor…

O meu melhor humor — posso chamá-lo talvez minha veia sarcástica — prova-se a mim o melhor justamente por se manifestar de praxe com intensidade máxima em momentos sérios. Sei bem o que sentia Cioran: é um impulso irresistível! É por isso que, relaxado, talvez não me sinta instigado a gracejar. Para fazer boas piadas, tenho de estar em atmosfera solene; então saem elas como por automatismo, senão necessidade. E assim percebo que, nestas Notas, que se fazem leves, tranquilas, quase sem esforço, é raríssimo encontrar mostras de minha fatal inclinação para a palhaçada. Já em minhas linhas “sérias”, onde me ponho num estado de concentração plena, onde arranco-me do íntimo o que me parece a verdade mais pura, onde — não há negar… — meto-me amiúde, exatamente como Cioran, a despejar pessimismo, desespero e desencanto no papel, então, precisamente nestes momentos, também como Cioran, tenho a sensação de ser quase um pecado o desperdiçá-los como pano de fundo para uma piada grosseira. Infelizmente, não posso mudar-me a natureza…