É difícil imaginar outro país ocidental nas condições brasileiras, isto é, onde a alta cultura não apenas não influi, mas como inexiste. A parcela da população que constitui exceção a esta regra é tão ínfima, tão desprezível, que é como se não existisse socialmente, pois o que tem de distintivo não o manifesta em ambiente comum, e nem poderia fazê-lo, mesmo que quisesse. Se cresce nela envolvida, se guarda em si algo da alta cultura, o faz em silêncio, reservadamente. E passa uma vida inteira desta forma, levando uma existência paralela, nunca revelada aos demais. Não se pode subestimar um ambiente como este, contudo, positivamente, dele se pode extrair uma energia fenomenal.
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Alguém a dizer o óbvio!
Diz Luciana Stegagno-Picchio:
A crítica, desde a de gosto psicanalítico até a de intenção sociológica, ocupou-se e preocupou-se bastante com a cor da pele de Machado de Assis, a ela atribuindo psicossomaticamente todos os males que afligiram o homem, da gagueira à epilepsia: problema que aparentemente não deveria apresentar nenhum interesse num país de integração racial quase total, programaticamente alheio a todo tipo de racismo e mesmo incapaz de distinções excessivamente sutis no assunto (…)
Oh, Deus! Incrível! Alguém a dizer o ostensivamente manifesto, o expressamente validado na pele, na mente, na língua e na cara do brasileiro! Claro, claro, são linhas de uma estrangeira… Por aqui, a necessidade é, ainda e sempre, a de imitar os americanos, especialmente nos defeitos. Mas há estrangeiros, e estrangeiros que registram a verdade! Como é bom havê-los! E, havendo-os, pode-se sonhar com alguma redenção…
Embora, como está dito, a boa literatura…
Embora, como está dito, a boa literatura seja sempre mais ou menos autobiográfica, é inútil buscar obsessivamente em seus detalhes o paralelo com a experiência do autor. O mais das vezes, as experiências servem somente de gatilhos, de motivos, de ilustrações para algo que as extrapola na obra. Não é pouco, e é mais que suficiente. O resto é a exploração e o aprofundamento das possibilidades que permite a literatura, mas que por vezes a vida não permitiu.
O efeito mais evidente da politização da cultura…
O efeito mais evidente da politização da cultura, cuja principal manifestação é a arte, é a inibição da criatividade. Em literatura, o resultado são obras que podem tudo, menos surpreender o leitor. E aí se coloca o problema: embora uma obra, para que seja boa, não necessariamente tenha de se destacar pelo caráter surpreendente, a previsibilidade, quando absoluta, é simplesmente intolerável. Uma obra cujo desenrolar já está previamente determinado por uma ideologia, seja ela qual for, é uma obra morta, e mortos estão de antemão os artistas que voluntariamente se trancam neste caixão.