No diário de Cesare Pavese, o suicídio pode ser facilmente entrevisto posto que encontramos, primeiro, a ideia suicida que lhe afigura repetidamente como solução, e, segundo, oscilações temperamentais que lhe turvam a razão. Em Antero de Quental, o quadro é todo outro. Antero é, entre outras coisas, um estoico — e isso implica simultaneamente as capacidades de aceitar a realidade e de controlar a si mesmo. Em Antero, a despeito do conflito psicológico atrocíssimo, encontramos a razão tomando as rédeas do instinto, e disso decorre que o espírito, acostumado a oscilações agudas, também vê-se acostumado a convertê-las em impulsos profícuos através da meditação. Como, aos quarenta e nove anos, pôde Antero suicidar-se? Por um lado, parece-me óbvio estarmos todos sujeitos às suscetibilidades da raça; por outro, parece-me errôneo querer atribuir causas comuns a um homem incomum.
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O velho debate
Diz Castilho:
Os versos de Filinto desagradam e martyrisam a qualquer ouvido, mesmo sem ser dos melindrosos; os de Camões commummente satisfazem; os de Bocage encantam; a estes, se alguma coisa se houvesse de reprehender seria a sua mesma perfeição excessivamente constante.
É verdade, é verdade: tecnicamente, Bocage não é menos que um mestre. Mas isso não empata a gargalhada diante desta conclusão que mais parece uma carta de amor. “Perfeição excessivamente constante”… Cabe-nos perguntar mais uma vez se o valor de uma composição poética resume-se à técnica ou se, porventura, configura-se a poesia como veículo expressivo de uma alma. Caso optemos por esta última hipótese, é forçoso concluir que a estirpe da alma que compõe versos, necessariamente, influencia o valor da composição. E que mais? Que uma alma nobre emprega-se em questões dignas de sua nobreza; expressa-as porque, para si, possuem elas um peso real e decisivo. Como chamar perfeita uma poesia corroída pelas paixões e preocupações mundanas? uma poesia incapaz de elevar-se a planos mais virtuosos? “Comumente satisfazem” os versos de Camões, enquanto os de Bocage “encantam”. Que conclusão!
A poesia de Antero de Quental
Os sonetos completos, de Antero de Quental
Começaria assim esta nota: “Em Os sonetos completos, de Antero de Quental, pela primeira vez senti-me diante de composições portuguesas que me pareceram rebentos de mim mesmo”. Incrível! E sinto-me inapto a criticá-las, posto o fazê-lo, de uma estranha maneira, parece-me fazer a crítica de minhas próprias composições. Por quê? Meu primeiro impulso é pensar: são os poemas de Antero lugares-comuns? Excetue-se ali algo de sua juventude, de jeito nenhum! Como, então, sinto-me expresso por inúmeros de seus versos? Esteticamente, penso, há notável diferença entre nossas composições: o discurso, sobretudo, sai-nos de forma distinta. E então? Concluo, após muito refletir, que os tormentos de Antero são os meus. O conflito psicológico de Antero é idêntico ao que experimento. A expressão de Antero é o corolário das sendas que percorri. E mesmo o olhar de Antero ante a existência parece guardar enorme semelhança com o meu. Incrível! E pensar que Antero, no fim de tudo… deixemos isso de lado.