Lima Barreto é dos autores brasileiros mais comentados. E praticamente tudo quanto se diz sobre sua obra é falso, ou, pelo menos, temos dela uma visão radicalmente distinta quando simplesmente a lemos, dispensando os intermediários. Dizê-lo parece ocioso, não houvesse tantos autores que sobrevivem por uma imagem fabricada. Sobre a obra de Lima Barreto, as virtudes alegadas, são todas elas concebidas para se encaixar numa visão de mundo simulada; os defeitos, não servem senão para esconder o que há nela de significativo. Falseiam-lhe mesmo a biografia, que não deixa dúvidas quanto à autenticidade da motivação literária, a despeito de quanto mais se pode dizer. Afinal, o que há de ser feito é analisar-lhe na obra o que há de sincero; e quando o fazemos, a conclusão é só uma: Lima Barreto honra a profissão de escritor.
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A “harmonia imitativa”
É uma delícia ter saído da pena de Lima Barreto as divertidíssimas ironias aos poetas da Bruzundanga, obsessivos com a dita “harmonia imitativa”, querendo-a como se aliterações e assonâncias correspondessem ao ápice do estro, à manifestação mais pura da genialidade criadora. Em verdade, quando tais artifícios aliam-se a uma expressão banal, como frequentemente ocorre, o resultado é mesmo ridículo. E é bom, muito bom que isso tenha sido observado por um escritor tantas vezes criticado, mas que escancara um mérito que a maioria de seus críticos não têm.
De um autor tolera-se tudo…
De um autor tolera-se tudo, salvo a desonestidade. Falhar neste ponto é anular tudo quanto se produz. Como leitores, a mera sensação de que há numa obra intenções camufladas e que estamos a ser enganados é motivo suficiente para que a atiremos para longe; afinal, como fazer de bom grado papel de palhaço? Se não podemos, salvaguardados pela sinceridade do autor, dar-lhe o crédito necessário para uma leitura proveitosa, o melhor é abandoná-lo. Há, decerto, uma infinidade de outros autores que cumprem este requisito e têm muito a nos ensinar.
É bem sabido que, do nascimento à vida adulta…
É bem sabido que, do nascimento à vida adulta, todos somos submetidos a uma sucessão de fases, ou problemas, passíveis de uma esquematização que parte desde a consciência do meio e da individualidade, até problemas mais complexos como a racionalização das emoções ou a integração social. Todos o experimentamos, embora em idades que possam variar e em circunstâncias certamente diversas. Nisso percebemos que pode ser estabelecida, também, uma hierarquia de problemas, dos mais básicos aos mais complexos, geralmente atrelados a faixas etárias, de forma que, para lidar com problemas mais altos na hierarquia, é preciso ter superado, ainda que provisoriamente, os problemas anteriores. Tal avanço envolve uma mudança gradativa nos focos de interesse, uma mudança natural e necessária, exigida pelo próprio amadurecer. É impróprio ao adulto ainda digladiar-se, por exemplo, por autoafirmação, visto que é este um problema característico da adolescência. Igualmente, uma crise existencial verdadeira é característica de um adulto maduro e bem formado. De tudo isso, nota-se o seguinte, raríssimas vezes observado pela crítica literária: o artista, por mais hábil que seja, se se concentra em problemas mais básicos e mais universais, seguramente atingirá um público maior e será melhor compreendido; contudo, a sua obra simplesmente não poderá sustentar o interesse de alguém com o conhecimento da relevância de tais problemas e de sua posição na hierarquia geral, alguém para o qual tais problemas já se encontram há muito superados, e portanto cujo interesse voa por altitudes muito superiores. Daí que não há como fugir: o artista, para ser realmente grande, não pode se limitar a servir o grande público.