Se há algo bem retratado na literatura brasileira…

Se há algo bem retratado na literatura brasileira, é a influência desestimulante, corrosiva e até opressora de um ambiente que representa a antítese de qualquer aspiração superior. O infeliz, pois, que a experimenta neste meio, vê-se frequentemente esmagado por uma multiplicidade de fatores que não somente o excedem em força, mas parecem trabalhar incessantemente para que ele jamais se liberte. O mais dramático desta situação é que não é preciso apenas uma força de vontade gigantesca para superá-la, mas é força que esta seja constante: uma única fraquejada, uma única cessão do ânimo e toda a dita multiplicidade de fatores se revelará com potência máxima puxando-o para baixo. Para resisti-lo, parece, é preciso ser mais que apenas homem.

Se parece incerto o futuro dos livros…

Se parece incerto o futuro dos livros de papel, para não dizer estarem eles, decerto, com os dias contados, não há como não proceder no raciocínio e imaginar as bibliotecas como relíquias de um passado distante. Formá-las e mantê-las, portanto, apenas colecionadores. Este simples fato, embora encubra o rol de facilidades conferidas ao leitor comum pela modernidade, não pode inspirar bons sentimentos. Um livro como uma antiguidade… Que dizer?

Nem o hábito mais profundamente arraigado…

A verdade tem de ser dita: nem o hábito mais profundamente arraigado resiste às reais e inequívocas vantagens que estes modernos aparelhos eletrônicos oferecem à leitura quando comparados a um livro físico. Basta um único teste. A flexibilidade de posições de leitura, a possibilidade de personalização de fontes e espaçamentos, a desnecessidade de qualquer cuidado com a iluminação externa, e, sobretudo e principalmente, a tremenda, incomparável facilidade em se destacar trechos, fazer anotações e enviá-las, prontas, para um computador, onde poderão ser instantaneamente localizadas em caso de necessidade futura. Aí está, sem dúvida, algo que extrapola muito o hábito: trata-se da possibilidade de reduzir um trabalho monstruoso, quer na organização, quer em futuras pesquisas. Dezenas de minutos efetivamente transformados em segundos. Não aderir à novidade, portanto, é algo pouco inteligente. Assim que não há como não prever um futuro no máximo incerto para os livros de papel. E então?

Talvez o problema mais intrincado que se coloca…

Talvez o problema mais intrincado que se coloca ao romancista brasileiro é o retratar, ou não, a linguagem coloquial. Assumindo esta necessidade, dá-se o complicadíssimo problema da medida, para o qual não parece haver solução segura. Quer dizer: o abismo que há entre o português falado no Brasil e a língua culta é tão imenso, mas tão imenso, que não há conciliação possível, mas traições toleráveis, ou quiçá necessárias, que se intercalam no modelo escolhido. A linguagem culta, ante a coloquial, é no português brasileiro a artificialidade e o ridículo. Já a linguagem coloquial não se insere no português formal senão como um conjunto infinito de erros ortográficos, prosódicos, sintáticos, os quais se retratados com fidelidade tornam o idioma quase irreconhecível. Como, então, resolver? O romancista, se efetivamente enxerga a situação que narra, naturalmente se sentirá coibido a colocar na boca de um personagem um discurso para ele inconcebível. Ao mesmo tempo, é romancista, não orador; maneja, pois, — e oxalá ame, — a língua e a tradição escrita. De tudo isso, há apenas uma certeza: o mais fácil é não ser romancista no Brasil.