Uma infinidade de exemplos demonstra que, se o autor é sincero e fiel à sua experiência, fiel à sua motivação artística, a obra que cria jamais se enquadra em modelo nenhum. Ela sai, é claro, com traços que evidenciam mais ou menos suas influências, mas vem também carregada de uma ambiguidade, de uma singularidade toda especial. Ainda que falhe na expressão, ainda que lhe falte estro para concretizar o planejado, a obra sempre terá no íntimo aquela sinceridade sem a qual não se faz arte duradoura. E isso é o principal.
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Sobre Lima Barreto
Lima Barreto é dos autores brasileiros mais comentados. E praticamente tudo quanto se diz sobre sua obra é falso, ou, pelo menos, temos dela uma visão radicalmente distinta quando simplesmente a lemos, dispensando os intermediários. Dizê-lo parece ocioso, não houvesse tantos autores que sobrevivem por uma imagem fabricada. Sobre a obra de Lima Barreto, as virtudes alegadas, são todas elas concebidas para se encaixar numa visão de mundo simulada; os defeitos, não servem senão para esconder o que há nela de significativo. Falseiam-lhe mesmo a biografia, que não deixa dúvidas quanto à autenticidade da motivação literária, a despeito de quanto mais se pode dizer. Afinal, o que há de ser feito é analisar-lhe na obra o que há de sincero; e quando o fazemos, a conclusão é só uma: Lima Barreto honra a profissão de escritor.
A “harmonia imitativa”
É uma delícia ter saído da pena de Lima Barreto as divertidíssimas ironias aos poetas da Bruzundanga, obsessivos com a dita “harmonia imitativa”, querendo-a como se aliterações e assonâncias correspondessem ao ápice do estro, à manifestação mais pura da genialidade criadora. Em verdade, quando tais artifícios aliam-se a uma expressão banal, como frequentemente ocorre, o resultado é mesmo ridículo. E é bom, muito bom que isso tenha sido observado por um escritor tantas vezes criticado, mas que escancara um mérito que a maioria de seus críticos não têm.
De um autor tolera-se tudo…
De um autor tolera-se tudo, salvo a desonestidade. Falhar neste ponto é anular tudo quanto se produz. Como leitores, a mera sensação de que há numa obra intenções camufladas e que estamos a ser enganados é motivo suficiente para que a atiremos para longe; afinal, como fazer de bom grado papel de palhaço? Se não podemos, salvaguardados pela sinceridade do autor, dar-lhe o crédito necessário para uma leitura proveitosa, o melhor é abandoná-lo. Há, decerto, uma infinidade de outros autores que cumprem este requisito e têm muito a nos ensinar.