O início da vida adulta

O início da vida adulta é uma fase crítica porque o jovem se vê pressionado a tomar decisões de consequências duradouras sem que se tenha decidido com firmeza sobre elas ou, nalguns casos, sem que tenha personalidade o suficiente para assumir as próprias decisões. A isso soma-se o caso frequente de dependência financeira, que acaba acarretando uma submissão a conselhos e opiniões. Assim, quase sempre cede à suposta “sabedoria dos mais velhos”, quando esta em verdade é-lhe útil apenas enquanto esteja em conformidade com aquilo que verdadeiramente deseja para si. Do contrário, tais conselhos serão somente o empurrão ao abismo que lhe causará o mais severo arrependimento que já experimentou — arrependimento, porém, necessário para que amadureça, e perceba só valer a pena uma vida em que as consequências sofridas são frutos de escolhas pessoais. O divertido, em suma, é que na maioria dos casos bastariam uns poucos anos a mais para que as decisões fossem tomadas de maneira mais sensata; mas não, por algum motivo é preciso tomá-las precipitadamente, talvez por ser o próprio erro fundamental.

A chama da vocação

Talvez seja mesmo impossível explicar a um imbecil doutrinado na psicanálise, que dedicou a vida inteira aos interesses mais mesquinhos, cultivou as relações mais fúteis e jamais presenciou um ato nobre, um ato corajoso de assunção que contrarie aquilo que é conveniente o que é essa chama, esse impulso ativo que, uma vez manifesto no espírito, traça uma linha divisória na vida daquele que o experimenta. E é também inevitável que um sujeito como o primeiro utilize as lentes que possui para julgar ações alheias: de que outra forma poderia fazer? Assim que o próprio insulto é inevitável, e talvez tenha de ser perdoado por originário de uma incompreensão involuntária. De um lado, temos uma resolução inquebrantável, um espírito disposto às últimas consequências e a tudo largar pela missão que lhe parece a finalidade da existência; temos uma transformação por vezes tão completa que anula qualquer identificação com o passado. Do outro lado, temos um homem comum.

Nada há de mais cômodo para o inconsequente…

Nada há de mais cômodo para o inconsequente, para o covarde, para o imaturo e para o canalha do que as ideias de Freud, que reputam a ação humana ou a um impulso incontrolável ou a um condicionamento inconsciente, eximindo sempre o indivíduo da responsabilidade dos próprios atos. A culpa, pois, nunca está no ser que deliberadamente escolhe, porque este assim nunca pode fazê-lo, posto que é dominado por forças superiores das quais jamais se poderá libertar. O enorme sucesso de Freud deriva principalmente de ter ele estimulado sobremaneira a propensão humana à vitimização, infinitamente mais confortável que a trilha ingrata da maturidade. Se não fosse a psicanálise obscena, seria justo compará-la a uma avó incapaz de dar ao netinho inocente outro tratamento que não o de passar-lhe a mão na cabeça e dar-lhe um pedaço de pão de ló.

É realmente espantoso a que ponto chegou…

É realmente espantoso a que ponto chegou a psiquiatria moderna! É quase como se fosse necessário um recomeço do zero, uma queima conjunta de todos os livros e o abandono completo de todas as classificações. Um homem que apresente qualquer mínimo conflito interior já está infalivelmente doente; quanto a isso não há discussão. E aí ficamos a pensar no estado vexatório em que a ciência se colocou. Não se pode concluir outra coisa senão que o homem está tanto mais saudável quanto menos pense, ou quanto menos o pensamento lhe influencie a vida; em outras palavras: a ciência da mente estipulou como modelo de higidez mental o homem cuja mente não atua. Há nisto algo de maravilhoso e inacreditável; é sem dúvida uma proeza das maiores e não cansa de surpreender. Alta para o bobo alegre e terapia para os antissociais, para os melancólicos, para os misantropos, para os sorumbáticos, para os solitários e para os silenciosos! Terapia para aquele que não consegue chegar em casa do trabalho e sorrir coçando a barriga diante de uma televisão! Terapia, e que troquem para sempre os doentes as obras filosóficas por livros de colorir!