Unidade única

O germe vem à anímica estrutura
Do bem, mostrando bem no dito infando:
O verme quando a presunção tritura
Tritura a presunção purificando!

Há noite e dia, a noite vem sempre antes
Do dia, noite e dia, nunca o inverso:
A treva expulsam raios fascinantes
Tal como um verso segue o outro verso!

A flor não morre em chão ao decompor-se;
Lhe não escorre o ser, somente assume
Melhor feitio: desmanchando a flor se
Conduz ao céu em forma de perfume!

O pão beato curva e sega a fome
E à plantação rega a beata chuva,
O leite existe pra que o homem tome
E o vento quando sopra ao barco adjuva!

O universo de tudo sempre cuida
De dar sentido, unir, essa unidade
Matizes vários tem, conquanto fluida
E sempre idêntica em finalidade!

Ó porco amigo, sigas engordando!
Pois quanto existe, porco, o alimento
Existe a dar-te! Neste mundo brando
Ir-te-ás em infinito alargamento!
Ó porco, sigas sempre acreditando
Que o mundo existe ao teu contentamento!

(Este poema está disponível em Versos)

O artista verde-amarelo

Estou pensando, ainda, na acessibilidade da arte, na sua função social e em todo o mais. Inevitavelmente penso em meu país. Fosse julgar pelo caráter miserável, pela nulidade de seus efeitos na massa e pelo desrespeito com que são tratados os artistas nacionais, eu teria de concluir que o país onde nasci só produz artistas medíocres. Isso, é claro, se eu considerasse o senso comum como parâmetro: o normal, aqui, é viver despegado da arte. Se alguém disser, no Brasil: “Sou artista”, pode-se indagá-lo em sequência: “E qual a sua profissão?”. O artista, então, terá de admitir que faz alguns bicos para pagar as contas, ou trabalha fichado num emprego que detesta. Por quê? Porque, como artista verde-amarelo, carrega nas costas a pecha de supérfluo, inútil, ocioso, ao mesmo tempo que recebe miseravelmente mal. O artista, no Brasil, tem de ser artista e motorista de Uber, artista e vendedor de cosméticos. Nelson Rodrigues, um artista de sucesso notável, trabalhou como jornalista até a véspera da morte. Contraponho-me à noção de “arte acessível” amparado pela realidade: a grande arte, necessariamente, vai na contramão da maioria, porque a maioria enxerga a arte como inútil, desgosta do pensamento e louva o agradável. Engraçado… Penso novamente em Tolstói. Um gênio, progenitor de uma obra magnífica, e disse que a verdadeira arte deve ser “acessível” e universal. Já notaram na Rússia que a obra inteira de Tolstói não possui um único momento que suscita o sorriso ou a vontade de rir. Pode ser a passagem do tempo, mas coloco a pergunta: quantos hoje compreendem, ou pelo menos se interessam e leem Tolstói? No Brasil, é certo que sua obra inteira não aliviaria um artista da necessidade de entregar pizzas em meio período…

Deve a grande arte ser acessível?

Pensando em Tolstói, leio dezenas de páginas de Valéry sobre Mallarmé. Digo: pensando nas severas críticas de Tolstói a este último e seus pares simbolistas. Diz Tolstói que a grande arte deve ser acessível e universal, e portanto artistas obscuros como Mallarmé pervertem e falsificam a arte. Segundo Valéry, Mallarmé foi o responsável por “introduzir na arte a obrigação do esforço de espírito”, e artistas como ele destacam-se por criar valor e beleza do vazio. Que dizer? Lamentavelmente, e o cotidiano só faz corroborar, a sensibilidade artística não foi distribuída de forma universal, como julga Tolstói. O mestre e seus mujiques… Acessível não pode ser critério qualitativo de uma obra artística, do contrário seria subordiná-la ao público. Vale o que diz um analfabeto sobre a qualidade de um livro? O valor de uma obra nada tem que ver com quem a recebe. Bilhões viveram e vivem despegados de qualquer contato com a arte, a maioria das cidades não possui um teatro ou uma orquestra ativa e decente: a arte, hoje, está reduzida ao supérfluo, não é vista senão como entretenimento. Isso, é claro, pela maioria, a mesma maioria cuja ascensão subverteu e praticamente aniquilou a função social real da arte. Uma grande obra artística, potente e sincera, geralmente só é contemplada por um público seleto, porque os demais tampouco se lhe interessam. Perde a arte? É claro que não… Contudo, faz-se necessário expurgar da mente a noção de que o coletivo é o árbitro soberano: a nível individual, a arte continuará sendo o que sempre foi. Em verdade, o saldo é bem positivo. O mundo é melhor quando a grande arte não se entrega a preguiçosos nem serve de passatempo a idiotas.

O risco de não enxergar o óbvio

A mente analítica, conquanto dotada de grande talento em dar profundidade ao objeto analisado, esmiuçá-lo, encontra dificuldades em visualizá-lo em ambiente dinâmico, interligado e em movimento. De um lado, a facilidade em penetrar e captar a essência das coisas; doutro, a dificuldade em visualizar o conjunto. Resumir ou, por outra, delinear superficialmente é o que essa mente recusa, privando a si mesma de uma visão panorâmica e frequentemente esclarecedora. A necessidade de isolar e aprofundar sempre, além de acarretar muito esforço inútil, pode privá-la de enxergar o essencial.