Soneto nacional

Mirando o tíbio céu azul-cobalto,
Senhor entoava o verbo alegre e vivo:
“Viver de nessa terra não me privo!
Feliz sou no Brasil, que adoro e exalto!”

Pois quando olhava ao céu, meditativo,
Foi quando lhe tomou um sobressalto:
Irrompe um homem, anuncia o assalto,
E aponta-lhe um revólver, agressivo.

“Arre! A carteira! Passa, seu maldito!
Senão te mato, velho desgraçado!”
De lisas mãos, pôs-se o senhor aflito:

“Não há dinheiro” — assim lhe respondeu…
Estoura o tiro! Sangue ao ar jorrado.
Com peito perfurado, assim morreu.

(Este poema está disponível em Versos)

O mundo que não existe mais

William Faulkner, em entrevista para a Paris Review:

There were many things I could do for two or three days and earn enough money to live on for the rest of the month.

Quê! Two or three days! Releio a entrevista perplexo. Só de imaginar que, há menos de um século, era possível viver o mês pintando casas por dois ou três dias, o sorriso desaparece-me da face. Dois ou três dias! E, hoje, é necessário trabalhar até quando se não trabalha. Exercito a matemática: quanto custa o quilo da carne? Restrinjo-me a dieta, atenho-me ao essencial: três dias por mês não pagam nem a semana! E o pior é enxergar o óbvio: não há escolha. É aceitar-se as energias e o tempo drenados a contragosto todos os dias por anos, décadas, para então olhar para trás em lamento…

Opera, sempre, a lei dos mais fortes

Calar manifestações dissidentes ou, menos ainda, manifestações tão só diferentes não é novidade nenhuma. Mas fico aqui a pensar se, neste mundo, haverá algum dia reprimenda para tal agressão. Penso automaticamente na língua, a serviçal da vaidade humana. Sairá, talvez, algum estudo condenando-lhe o movimento, comprovando-lhe o caráter nocivo, evidenciando-lhe o papel como indutora da ação agressiva? Provavelmente não. E provavelmente nunca o homem médio será capaz de barrar o impulso evolutivo odiento de calar, humilhar, submeter, destruir aquele que enxerga como adversário. Opera, sempre, a lei dos mais fortes, e o ataque parece a única e melhor defesa… Ao vencedor, as batatas!

O infame é agradável diante do ardiloso

Lendo Heidegger, senti vontade de sair à rua e dar uma paulada no primeiro ser humano que encontrasse. Exasperante! E engraçadíssima a reação, em especial por minha enorme tolerância diante do que me desagrada. Pouco antes de Heidegger, havia defrontado várias das páginas mais detestáveis que já li sem um único impulso violento, sem nenhuma vez sentir vontade de rasgar o livro e agredir fisicamente um companheiro de espécie. Qual a diferença? A diferença é que, nas páginas de Rousseau, um sujeito incapaz de conceber o que seria honra ou dignidade pessoal, havia ao menos sinceridade. E mais do que sinceridade: havia estilo, concisão, vigor numa prosa que, sem dúvida, é uma das melhores da língua francesa. Nela, ler o infame é quase prazeroso. Rousseau sabe construir períodos, encadeá-los, fazer deles a progressão lógica de um pensamento e expô-lo de uma maneira franca. Heidegger, não. Heidegger se esconde atrás de uma linguagem estupidamente abstrata, cujo papel mais significativo é fazer o banal passar por importante. Heidegger afeta precisão metódica através de rodeios ridículos, típicos daquele que não tem muito o que dizer, e uma leitura atenta capta a farsa. Heidegger engana o leitor. Mas por que o comparativo? Já quase me esqueço… Rousseau, cuja principal obra poderia ter como subtítulo “A fundamentação suprema da demagogia”, cujas linhas não tratam senão de ditar regras e dizer como os outros deveriam se comportar, ainda me parece menos vaidoso do que o sujeito que, em ostensiva impostura linguística, constrói uma obra ilegível a fim de impressionar.