Só, de Olavo Bilac

Vamos deste belo soneto de Olavo Bilac:

Este, que um deus cruel arremessou á vida,
Marcando-o com o signal da sua maldição,
— Este desabrochou como a herva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida…
Som constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos máos, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida á toa no caminho!
Roto casco de náo, desprezado no mar!

E, arvore, acabará sem nunca dar um fructo…
E, homem, ha-de morrer como viveu: sósinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

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ABC da literatura, de Ezra Pound

Leio ABC da literatura, de Ezra Pound e encontro, entre uma exposição virtuosa e trechos lúcidos de um grande intelectual, o óbvio aparentemente ignorado:

Music rots when it gets too far from the dance. Poetry atrophies when it gets too far from music.

Que dizer? A busca por originalidade e novos meios de expressão na literatura várias vezes desaguou numa descaracterização da própria arte literária ou, em outras palavras, numa estética pior. Muito em decorrência de uma visão obsessiva no estabelecimento de leis, as diretrizes, as ferramentas capazes de dotar a construção literária de um caráter artístico caíram em desprezo, tornaram-se “antiguidades”. O problema, entretanto, só faz fugir do essencial: por que o arco de ação na dramaturgia? Por que a métrica na poesia? Porque são instrumentos que, se utilizados com destreza, diferenciam a arte literária do discurso falado, tornando-a esteticamente superior; são instrumentos capazes de entregar unidade à construção artística, capazes de produzir efeitos expressivos interessantes. O artista que os não conhece não será capaz de estabelecer critérios qualitativos para a própria arte, ou seja, não será capaz de melhorá-la, sequer avaliar sua qualidade estética, manejando algo de que ignora a substância. Obviedades, obviedades, conquanto extremamente necessárias…

The bad draughtsman is bad because he does not perceive space and spatial relations, and cannot therefore deal with them.

The writer of bad verse is a bore because he does not perceive time and time relations, and cannot therefore delimit them in an interesting manner, by means· of longer and shorter, heavier and lighter syllables, and the varying qualities of sound inseparable from the words of his speech.

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A “terapia motivacional”

Espanta verificar que, exatamente no século imediato à erupção dos gênios da psicologia moderna, faça tanto sucesso a chamada “terapia motivacional”. “Superar problemas”: eis a impossibilidade — quando, obviamente, consideramos traumas psicológicos reais — transformada em produto na era do marketing. Quando surgem os meios para um aprofundamento drástico na compreensão da psicologia do ser humano, da origem dos traumas e havendo a possibilidade de utilizar a cognição para minorar seus efeitos indesejados, reduzir-lhes os meios de ação — e jamais superá-los, eliminá-los, — o homem vira as costas ao conhecimento e opta pela senda da infantilidade, troca a prudência analítica pela psicologia feliz, a psicologia cuja prática resume-se em “pensar positivo” e agir feito uma criança frente aos traumas que avassalam, por vezes sem emitir sinal. Tudo parece evidência de que gênios, quando surgem, fazem-no em vão…

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O ser humano não muda a própria essência

O “tornar-se uma pessoa melhor” exige um aniquilamento interior impiedoso e contínuo, uma humildade e um despego de si mesmo que beira a repugnância, um esforço sobre-humano para calar a renitente e naturalíssima voz da vaidade, que se manifesta tão logo o ser lhe reconheça a capacidade de pensar. Visto ser tarefa quase inexequível, posto exigir o enfrentamento de batalhas duríssimas e que nunca terminam, é sensato dizer que, após a idade adulta, o ser humano lhe não muda a essência, ainda que queira, ainda que tente, ainda que creia.

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