Jude, o obscuro, de Thomas Hardy

Jude, o obscuro (também traduzido como Judas, o obscuro) é o último romance de Thomas Hardy. Recebido em hostilidade pela crítica, há quem diga que os epítetos partindo do “sujo” ao “imoral” justificaram que Hardy vivesse-lhe os pouco mais de trinta anos restantes sem publicar um novo romance. O fato é que Hardy abandonou o gênero exatamente após a publicação de uma obra-prima. Quanto às críticas, Swift bem definiu: “When a true genius appears in the world, you may know him by this sign, that the dunces are all in confederacy against him”. E não é possível hoje, distanciados das mesquinhas conveniências da sociedade vitoriana, não classificar a obra como genial. Genial e indutora da revolta: Jude, o obscuro expõe as entranhas desta organização repugnante denominada sociedade. Jude, o protagonista, enfrenta ambiente limitador da liberdade, opressivo contra qualquer manifestação do individual. As massas, naturalmente, são apresentadas como desprezíveis, hostis frente ao diverso, incapazes de aceitar o que lhes não replique a mediocridade. A organização social calcada em convenções, quase sempre estúpidas, antinaturais e indutoras da injustiça; o autoritarismo figurando-lhe como essência e a mensagem claríssima: a sociedade é uma máquina imunda. Difícil não ler a obra e julgar que o conveniente é essencialmente indigno. Jude, ainda novo, almeja a alta cultura, a despeito de suas limitadíssimas possibilidades. Alimenta, por anos, um sonho, quando passam a vê-lo, no vilarejo onde reside, como um jovem promissor. Então lhe armam uma cilada. Uma garota o seduz, desejosa de ascensão: arrasta-o para sua própria casa, submetendo-o ao constrangimento auxiliada do pai. Jude é forçado a julgar que o casamento é exigência da honra e casa-se, ainda que não dispondo de condições para fazê-lo. A realidade muda bruscamente: Jude vê-lhe, pois, o horizonte crassamente limitado, com todos os seus sonhos baldados em razão de uma necessidade compulsória de dinheiro. Em pouco, o casamento mostra-lhe a face perversa: a esposa, insatisfeita, larga-o e muda de país, não o desobrigando, porém, do compromisso eterno que firmou diante do padre, forçado pelas convenções. Então a narrativa avança e Jude, apaixonando-se por sua prima, sente na carne a maldição de nascer pertencente à espécie humana. É ler e sentir pulsar a revolta. Depreciaram a construção das personagens de Hardy, julgando-as reféns de um determinismo biológico; disseram de várias cenas imorais, absurdas e muitas outras coisas. Mas aqui está a verdade: a narrativa de Hardy convence, as personagens são vivas e reais e o enredo de Jude, o obscuro é conduzido com extrema habilidade. O tempo já parece evidenciar quão virtuosas eram as convenções da sociedade vitoriana. E parece, também, evidenciar isto: Jude, o obscuro é um romance imortal.

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O “importante” constantemente muda de face

Os anos correm e o “importante” constantemente muda de face. O imprescindível, no passado, torna-se irrelevante. E a vida parece operar um lento movimento de redução da realidade, como que se atendo ao essencial. Se avultam os anos, parece escassear o que antes aparentava abundância. Possibilidades, sonhos, relações… tudo parece dissipar-se lentamente, evidenciando talvez o que fica, ou talvez que a realidade está condenada à volatização…

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Por que, maligna Vida, agir não deixas…

Por que, maligna Vida, agir não deixas
A desumana Morte já no início?
Por que germinas no homem esperanças
A convertê-las todas em suplício,
A convertê-las todas sempr’em queixas?
Por que camuflas-te em vãs seguranças?
Por que te tornas palco de vinganças?
Não compadeces vendo o sofrimento?
Ignoras o tormento
Que amarga-o a matéria enquanto vive,
Antes que a Morte prive
A boca de externar o sentimento?
Acaso agrada-te o pulsar da dor?
Sorris ao permitir que a Morte crive
O peito e a mente humana de terror?
Quem vê-te a essência mira-te em pavor!

Pois quem avista o Fado, mesmo tarde,
Encontra-o co’o malhete e a folha escura
À Morte despachando o fim secreto,
E em vão pragueja, em vão a si conjura
O espírito qu’em longo pânico arde
Ao ver-se condenado a ser objeto
Do mais atroz e horrífico decreto:
“Tudo o que fiz não teve utilidade!
— O desespero invade —
Sou alvo de uma besta predatória
Que arrasa até memória,
E nada brida-lhe a feroz maldade!
A dor que sinto nada significa,
Mesmo qu’imensa a angústia é irrisória!
Oh, maldição! Oh, terra infausta! Oh, zica!
Tenho de ser em chão que nada fica!”

Tortura intensa que jamais s’esgota,
Instala-se expulsando o sedativo,
Faz reino em que só o desespero impera,
Transforma o juízo em ferimento vivo.
Como sorrir se não há nem remota
Expectação matar de a cruenta fera
E a desintegração é certa à espera?
Como mirar sem choro o fiel amigo
Prevendo-lhe o castigo?
“Em desamparo irás deixar os teus,
Quiçá sem nem adeus,
E a obra tua irá sumir contigo…
Não há nada a fazer contr’esse mal,
É este o fado dos filhos de Deus:
Acometidos serem da mortal
E ingrata foice no dia fatal…”

Como, meu Deus, conter o forte pranto
Ante a ternura da face querida
Sabendo-a, como a si, sujeita à pena
Que tranca numa cela onde a saída
Exige a extinção total! E quanto
Não dói saber que o tetro Fado ordena
A mortificação e o ser condena
A perder totalmente o movimento!
Oh, Fado lazarento!
Qu’extingue a vida em sonhos incompletos,
Tratando como insetos
O ser que morre e o que rompe em lamento…
E pior sofrer com avançada idade
E a mente cravejada dos afetos
Exterminados, e ver a verdade:
Em vida quanto é bom vira saudade…

Mas também a saudade é condenada:
Se não míngua co’o tempo, vai embora
Acompanhada da matéria triste,
Acompanhada da mente que chora!
Oh, maldição rumar consciente ao Nada
E ver que o próprio choro não resiste:
Em vida morre tudo quanto existe!
E a mente desditosa enquanto acesa,
Denega em si a tristeza,
Revolta-se e o que aflige-a elimina,
Aviando na faxina
Aquilo que na vida tem beleza!
Quer a cabeça ser feliz e forte,
Mas é-lhe a infelicidade a sina…
Sofrer! Mas não pra sempre, pois, por sorte,
A dor acaba, visto existe a Morte…

Oh, desespero! A vida suportar
É empanturrar-se do insignificante,
Empanturrar-se até grande modorra,
Fazendo com que a mente não s’espante
E o raciocínio deixe de falar!
Pois do contrário é defrontar masmorra
Sem um único amigo que socorra
O pensamento do desassossego,
Gritando em pleno ofego,
Deliberando a solução terrível,
Mas ela é impossível!
Pois a coragem curva-se ao apego
E encobre-se tolhida da esperança,
Que nunca entrega nada de acessível
E vende o paraíso sem fiança!
Mas também ela um dia a Morte alcança…

Responde, Vida! Por que não te opões
Vendo-te a converter em dor intensa?
Por que a tortura? Por que suportá-la?
Por que mortificar o ser que pensa?
Qual a razão de tantas aflições?
Como deter o monstro que apunhala?
Por que apodreces morta numa vala?
Por que não cravas-te o que é nobre e terno
Na imensidão do eterno,
Mostrando haver no efêmero animal
Qualquer coisa imortal?
Por que não salva a mente deste inferno?
Há algo em ti que a Morte não liquida?
Por que não dás um mínimo sinal?
Há algo dure após a despedida?
Um sim seria tão mais belo, Vida…

(Este poema está disponível em Versos)

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São os humoristas quem melhor afagam a dor humana

Mais do que qualquer entidade filantrópica, são os humoristas quem melhor afagam a dor humana. E a justificativa é simples: o riso é remédio eficaz, barato e inesgotável. Humoristas, se bons, ensinam a rir das piores misérias, consolam diante do terrível, entregam prazer quando parece impossível. Humoristas desvendam o óbvio: na vida, absolutamente tudo é passível de piada — e as melhores brotam exatamente de onde nos parece absurdo extraí-las. Ademais, atacam a víbora que nenhuma entidade filantrópica é capaz de combater: a vaidade. Por isso, entristece vê-los trabalhando quase sempre alvejados por pedras, não raro acabando destruídos pela massa de idiotas incapazes de enxergar a dimensão do próprio ridículo. Mas não é novidade: os grandes quase sempre acabam alvo da fúria dos imbecis. Pois avante, ídolos, benfeitores da humanidade! E vosso riso perdurará quando as mãos que vos atacam já se tiverem convertido, inertes, em pó!

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