O animal que urra nos bosques

Vejamos o que Augusto dos Anjos — o mais original poeta da literatura brasileira, segundo Carpeaux — nos ensina sobre a natureza humana:

Como um pouco de saliva cotidiana
Mostro meu nojo à Natureza Humana
A podridão me serve de Evangelho…
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!

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Crítica e profecia: a filosofia da religião em Dostoiévski, de Luiz Felipe Pondé

Fechei essa obra e senti-me, pela primeira vez, absolutamente humilhado por um livro. Pensei, convicto, que possuía algum défice de inteligência. E dei graças a Deus jamais ter publicado uma linha. Eu, vejam vocês, já era leitor de Dostoiévski, e havia lido seis de seus livros, incluindo os principais, com exceção de O idiota — e agradeço não ter taxado o livro de cômico… — Pensava, entre outras coisas, o seguinte: sou imune ao niilismo. Para mim, resposta estava clara nas obras de Dostoiévski, e nunca sequer questionei: “Dostoiévski passou a vida falando de niilismo, escreveu centenas de linhas sobre niilismo. Quem sabe o tema não tenha alguma relevância?”. E Pondé, dando-me as boas-vindas e ensinando-me a usar o cérebro, atirou-me num abismo niilista, onde senti a existência pesar. Li seu ensaio e vi que, apesar de duas ou três mil páginas lidas, não sabia absolutamente nada de Dostoiévski. Para resumir: jamais havia percebido as manifestações de Deus em Dostoiévski, o que me permite rematar: não fazia ideia de quem era Dostoiévski. Claro, vi Deus quando Sônia lê a passagem de Lázaro a Raskolnikov, mas nunca vi Deus no silêncio. E aí está tudo: Pondé mostrou-me que, em Dostoiévski, Deus se faz presente no silêncio. Fechei o ensaio resoluto: preciso, urgentemente, deixar essa coisa de estudar. Mas, já de cabeça fria, agradeci existir um Pondé. E disse para mim: lerei novamente cada um dos livros de Dostoiévski. Hoje, creio ter acertado na escolha.

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Amy Winehouse

Imagino-me após um ano casado com Amy Winehouse. Já seria impossível qualquer tipo de contato físico; haveria, entre nós, uma repugnância pungente e total. Não haveria diálogo; claramente, não teríamos sequer afinidade de caráter. Se alguma paixão tivesse precedido o matrimônio, então ela agora estaria devidamente sepultada, arrefecida pelo tempo e pelas discrepâncias de temperamento. Com absoluta certeza, já estaria sendo traído a descoberto. E então me imagino, no quarto ao lado, ouvindo-a diariamente a ensaiar. Não pediria o divórcio.

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Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe

Li Werther pela primeira vez e — pasmem! — não gostei. Vinha de não sei qual leitura ou, melhor dizendo, de A montanha mágica, de Thomas Mann, e senti o livro ser menor do que é. E a vida, como habitual, fez-me a língua queimar. “Bom, mas piegas. Em determinado momento, enjoa” — foi o que disse ao finalizar a leitura. Não nego: estava em encanto, embriagado do primeiro contato com Mann. Pouco tempo depois, repensei: é bem provável que o problema esteja em mim, não em Goethe. Dei nova chance ao livro — um livro, digamos, de “uma sentada” — e a leitura deu-se da seguinte maneira: senti calafrios, meus olhos pareciam engolir as linhas; por vezes, pensei em pausar, a pensar com calma em tudo o que estava sentindo. Imerso em um turbilhão de sentimentos, pensamentos, julgava Werther ao mesmo tempo que empatizava com a narrativa. Quase a chorar, fecho o livro. O veredito: “Junto de A morte de Ivan Ilich, de Tolstói, essas foram as melhores poucas páginas que já li em toda a minha vida”. E quase esqueço do principal: “Jamais me perdoarei por dizer desse livro enjoativo. Sou, eternamente, um imbecil”.

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