Rindo-me do que enfurece…

Reparo-me com enorme contentamento os desacatos à polícia da linguagem que, como a polícia dos costumes, pretende-se senhora da razão. Acho engraçado e orgulho-me da rebeldia. Sinto-me chegado, pois, dos crucificados que sempre me despertaram a admiração…

____________

Leia mais:

A vida assim nos afeiçoa, de Manuel Bandeira

Um dos belos poemas de Manuel Bandeira:

Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o grande bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa: — “Vem!

Quer para a bem-aventurança
Leves de um mundo espiritual
A minha essência, onde a esperança
Pôs o seu hálito vital;

Quer no mistério que te esconde,
Tu sejas, tão-somente, o fim:
— Olvido, imperturbável, onde
Não restará nada de mim!”

Mas horas há que marcam fundo…
Feitas, em cada um de nós,
De eternidades de segundo,
Cuja saudade extingue a voz.

Ao nosso ouvido, embaladora,
A ama de todos os mortais,
A esperança prometedora,
Segreda coisas irreais.

E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo o que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.

A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao se mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel.

____________

Leia mais:

Há uma muralha entre o pensamento independente e o pensamento popular

Há uma muralha entre o pensamento independente e o pensamento popular que faz com que, quase sempre, haja repugnância entre eles. O interesse das massas é, por definição, contrário ao interesse individual. Isso quer dizer que endossar o discurso popular é ser contrário a si mesmo, é ver a própria singularidade diluída, é ser, em suma, um ninguém. E, naturalmente, o ninguém inveja o dissidente, o detentor da coragem que lhe falta, por isso “o prego que se destaca é martelado”. O covarde alegra-se da aprovação que angaria com a própria covardia, sente-se aceito e seguro. Por outro lado, carece de uma lápide para que não lhe esqueçam o nome… Não faz mal. Os amigos jamais lhe deixarão faltar a lápide.

____________

Leia mais:

Mil vezes perdão

Perdão, mil vezes perdão, mas custo a aceitar… Quase todos os 154 sonetos de Shakespeare sobre o mesmo tema, quase toda a poesia lírica de Camões entoando o mesmo lamento… Como é possível? Digo e penso-me um bárbaro, amputado de minha dimensão humana. Mas não consigo engolir. Paciência… Não consigo e não há o que fazer. Eis a verdade: há uma espécie de sofrimento que jamais me arrancou um único suspiro, não me desperta a compaixão e por vezes me provoca o riso. Ó indolência! Ó crueldade!… acabarei muito, muito mal convosco…

____________

Leia mais: