Alcançar a ventura

Perdendo as ilusões, aceitando a morte, libertando-nos dos grilhões pecuniários, rindo de nosso ridículo, orçando-nos a mediocridade, resistindo ao desejo, aceitando a frustração, aniquilando o orgulho, dedicando o tempo àquilo que nos preenche de sentido: assim alcançamos a ventura, ou melhor: podemos lambê-la, enquanto nos não seca a língua…

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A resistência dos burocratas

Admira-me a resistência dos burocratas. No mundo sobejam burocratas. Dez, quinze, trinta anos executando, exatamente, as mesmas funções, cumprindo os mesmos processos, satisfeitos e orgulhosos da própria experiência. O semblante grave ao trabalhar, as palavras que lhes saem transmitindo segurança, perícia, precisão. Versados em relatórios, formulários, requisições formais. Mestres em procedimentos, especificações, certificados, regulamentações, atas… Admira-me a resistência dos burocratas, pois me não imagino em semelhante universo senão em desespero, frustração extrema, desejoso da morte. Trinta anos preenchendo formulários? Por favor, por favor, dê-me da mesma cicuta de Sócrates…

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O ritmo das letras

Na prosa a pontuação, a extensão dos períodos, o encadaeamento dos parágrafos; na poesia, além da pontuação, a distribuição das tônicas, a extensão dos versos soltos e relacionados entre si: eis os balizadores do ritmo das letras. Já quanto ao ritmo: terreno arenoso, traiçoeiro; fera indomável; enigma maravilhoso e irresolúvel; perfeição visível mas distante, muito distante…

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Independência e resolução

As reações do público a uma peça dramática ensinam sobre a arte. Ao público, geralmente agredido ao final do último ato e imediatamente após a agressão, é concedido o direito de resposta. Então ecoam as vaias, os impropérios e similares. Dizemos, é claro, do público espontâneo — sincero, selvagem — e em primeiro contato com a peça. Uma peça já representada, ou antes, um público conhecedor do clímax do drama age de forma totalmente diferente: comparece ao teatro para analisar performances e decidido a aplaudir. O curioso é que, em vida, os grandes dramaturgos não costumam produzir sob o estímulo dos aplausos; e o público, que geralmente é maestro da crítica, contribui para a sua execração. Assim vemos a arte como que forçando a autonomia do artista ao atirá-lo em confronto contra a maioria. Parece perguntá-lo: “E então? és capaz de seguir adiante, contrário a todos?”. A questão não cede espaço a evasivas: a arte parece exigir independência e resolução.

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