Vencer ou sucumbir à morte

Parece, no fim de todos os tormentos, resumir-se a vida na seguinte questão: vencer ou sucumbir à morte? E a resposta, que não é senão a própria obra, entrega um tormento adicional (tormentos… nunca se esgotam!): o vencer a morte aparenta dependente de um fator externo incontrolável e sujeito à incerteza, ou seja, sujeito ao fracasso mesmo que injusto. Quer dizer: a maldita fortuna, ainda no fim de todas as coisas, ainda após todas as provações e mesmo que após respostas formidáveis, parece ter influência decisiva. E assim o impulso a amaldiçoar a vida afigura-se como irresistível.

____________

Leia mais:

Lolita, de Vladimir Nabokov

Vladimir Nabokov é autor que me agita como poucos. Seu Lições de literatura russa gerou-me fortíssima e ambígua impressão. Depois, entrevistas, como a da Paris Review, consolidaram a imagem que dele tenho em mente: um gigante, mas de uma arrogância que me escapa à compreensão. E simplesmente não entendo algumas pedras atiradas por Nabokov como, principalmente, em Dostoiévski: permaneço em cima do muro a julgá-las invejosas ou expressão de honestidade intelectual. Tanto faz: minha mente padece dessa necessidade insuportável de julgamento; eu, não. Pois abro Lolita e, repetindo o que disse alguns dias atrás: basta uma página para perceber-me diante de um grande escritor, uma página para impressionar-me com uma escrita maravilhosa, elegante, brilhante no estilo e potente no conteúdo. A prosa de Nabokov, em Lolita, é dotada do corpo que a língua inglesa parece carecer. E não é somente por isso que a obra brilha: Nabokov ensina aos pares de seu século que escrever sobre corrupção moral não exige a corrupção da língua. Lolita cava fundo: são páginas assustadoras sobre a psicologia de um pedófilo, ambíguas desde o princípio, já pelo moralismo controverso, já pelo comportamento de Humbert Humbert, o protagonista, que oscila entre sarcasmo, amor, dissimulação e desejo, corrompendo terrivelmente uma jovem garota e instalando-nos na cabeça a dúvida infame: terá mesmo corrompido? O mero questionar é a confissão da imoralidade que nos habita a mente. E a obra-prima a prova cabal de que, no homem, o hediondo mescla-se ao sublime.

____________

Leia mais:

O nome de meu bisavô

O nome de meu bisavô? Não sei…
De mãe ou pai? Nenhum dos quatro. O nome
De um bisavô é um mistério absoluto…
Anônimos são todos: eis a lei.

Três gerações — não mais! — e o nome some.
Em vão indago, em vão é que perscruto:
Descendo de um escravo ou de um grão rei?
Ladrão ou padre? Rico ou teve fome?

Meu bisavô não tem este atributo:
O nome! o nome! E nunca saberei!…
Por isso é ilusão qualquer renome:

É transitório o nome, a carne, o luto…
Investigando-me a estirpe encontrei
Só vultos em redor do sobrenome…

(Este poema está disponível em Versos)

____________

Leia mais:

O embate entre vaidade e consciência

Algumas naturezas chegam a impressionar pela ausência completa do embate entre vaidade e consciência. Talvez pela própria tibiez da consciência, o que justifica vê-la absolutamente ignorada pelas correntes mais populares da psicologia. Em alguns, ela parece simplesmente se não manifestar. Mas incrível pensar em alguém que, nem uma única vez na vida, orça a mesquinhez da própria conduta, dos motivadores da própria “vontade”. Fazê-lo e não proceder com a condenação seria compreensível, mas o fato é que, na maior parte das pessoas, não há o menor vestígio do conflito.

____________

Leia mais: