Os diplomas conferem qualidade indispensável para a literatura?

É provável que chegue o dia em que será necessário um diploma para publicar formalmente um poema. E assim a questão ficará ainda mais exposta: os diplomas conferem qualidade indispensável para a literatura? ou, antes: os diplomas conferem qualidade indispensável para qualquer coisa? Naturalmente, virá à tona a resposta óbvia: não, casas sempre foram construídas por quem nunca teve diploma. E imagino sonetos clandestinos infinitamente superiores aos portantes do selo de qualidade acadêmico, evidenciando que a academia tornou-se muito mais uma instituição burocrática, um negócio gerador de emprego e receita, um pré-requisito obrigatório para exercer qualquer função do que propriamente uma entidade que ensina o que é relevante para exercer uma atividade profissional. Em aproveitamento do tempo, é radicalmente mais proveitoso o estudo independente ante o cumprimento de burocracias acadêmicas e das muitas horas empregadas em nada quando se estuda numa universidade — basta avaliar, por exemplo, o tempo de locomoção à instituição de ensino e seu peso na equação, para não dizer da qualidade do que é ensinado ou das disciplinas absolutamente inúteis. Laboratórios, estruturas físicas dispendiosas, estas provavelmente continuarão a ser monopolizadas pelas universidades. Para as atividades do intelecto, porém, a conclusão não pode ser diferente: se um dia vierem a ser premiadas pelo mérito, o mundo será dos autodidatas, e a gigantesca e onerosa estrutura acadêmica estará, fatalmente, condenada ao colapso.

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Talvez nunca houve uma profissão tão prostituída quanto a de escritor

Ocupar-se das letras é, quase sempre, tarefa ingrata. E talvez nunca houve uma profissão tão prostituída quanto a de escritor. É verdade, sempre afigurou claríssima a distinção entre as qualidades do grande escritor e do escritor de sucesso. Mas, hoje, num mundo onde o sucesso é critério qualitativo soberano, parece, mais do que nunca, ser forçoso ao homem das letras adaptar-se à terrível realidade que o impele a ser, além de artista, vendedor — e a recusa parece ser a certeza do esquecimento. Pois bem: nunca foi tão honroso ser ignorado em vida e seguir, renitente, na contramão das convenções contemporâneas. Penúria! Desprezo! E o espírito insubmisso saberá, sozinho, o que é pensar despegado de correntes.

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Gradis, portões e muros chapiscados…

Gradis, portões e muros chapiscados
— Circundam casas, prédios, lojas, tudo! —
Sobre os quais cintos eletrificados
Revestem cacos em perfil pontudo.

E os monstros desumanos, endiabrados
Às claras pela rua andam, contudo,
Os cidadãos assaz anestesiados
Aceitam normalmente o terror mudo.

Estupro, assassinato e latrocínio
São vezos na nação do morticínio,
Na terra onde existir é maldição…

Constantemente atribulado, alerta,
— Sabendo: vacilar é morte certa, —
O brasileiro habita uma prisão.

(Este poema está disponível em Versos)

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O meu jornal

Sonhei ter criado um jornal. A cena foi a seguinte: em redor de uma mesa, minha equipe, empolgadíssima, pôs-se a discutir a linha editorial do periódico, quando os ânimos se exaltaram. Combateríamos as injustiças do mundo: claro, claro! E a representatividade seria pauta obrigatória! De quem, onde? Eis o que os gritos tentavam expressar. Cada um berrava a própria opinião. Eu via-me calado, receoso de dizer o que pensava — mas pensava: “Oh, magnífica bobagem!”; e, óbvio, dizê-lo seria minha ruína, visto algumas opiniões serem proibidas socialmente… —Então, em plena guerra verbal, quando tudo aparentou irresolúvel, solicitaram-me a palavra de dono do jornal. Súbito, tendo de expressar em poucas palavras a minha opinião sobre qual classe era a mais injustiçada de todos os tempos, sobre quais matizes julgava mais nobres para o jornal, e cuidando não ofender a equipe que necessitava motivada, respondi: “Vamos fazer o seguinte. Todas as pautas são muito importantes” — e conduzi, todos eles, a um crematório. Solicitei uma entrevista com o operador de forno; pedi-lhe: “Explica pra gente, amigo, em que consiste o seu trabalho”. Naturalmente, meu jornal jamais publicou uma primeira edição.

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