Pastores evangélicos

O capitalismo é pleno entre os pastores evangélicos. Não que constitua algum demérito, mas capitalizar o nome de Deus soa-me um marketing demasiado agressivo. Por que novamente me meto onde poderia evitar? Em todos os tempos e em variadas religiões, foi o líder espiritual um asceta: negando os prazeres da carne, pagava pelo título de autoridade espiritual. Exatamente com a igreja evangélica isso mudou, e hoje o pastor veste traje completo, tem esposa e anda de Hillux. Será que só a mim causa estranhamento? Percebo, desconcertado, a obsessão de pastores com os fariseus: vejo-lhes condenando, num só pacote, o conhecimento e a ganância. Mas nunca vi, nem ouvi falar, em toda minha vida, de um único pastor de igreja mediana em dificuldades financeiras: mais, a pregação remunera-lhes qual exitosos empresários. Creio precisarmos de uma redefinição: que é a ganância? Sobretudo, que sempre representou a ganância nos tempos antigos?

Prossigo — e arrepio-me diante da obsessão: — só pode falar de ganância aquele que dá as costas ao dinheiro. E se vejo um pastor evangélico com mais dinheiro que seus fiéis, considero-lhe um hipócrita. Paciência, muita paciência com minhas generalizações… Mas não sou eu a pregar que somos todos irmãos. Por que o pastor não dá o exemplo? Poderia começar, de bom grado, partilhando-lhe a riqueza e guardando para si somente o necessário à vida — e a espalhar seu verbo, como mensageiro de Deus. Mas se contenta o pastor com tão pouco? De jeito nenhum! O pastor quer apartamentos e carros luxuosos, quer viajar pelo mundo e julga-se filho de Deus, isto é, julga-se apto a gozar, também, dos prazeres do capital. Muito bem, muito bem… E cada qual lidando com a própria ganância e mirando a face hipócrita no espelho.

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Particularidades psicológicas

Acho incrível como meu absoluto desencanto com o mundo se não tenha revertido em morbidez. Em geral, estou sempre bem humorado, rindo em pensamentos, ainda que a experiência já se me afigure como esgotada. É verdade: não sou bem humorado a muitos mais do que a mim mesmo, mas julgo como quase um milagre ver-me sorrindo, a desejar uma vida absolutamente medíocre sobre o ponto de vista dos homens de meu tempo. Tamanha incompatibilidade de gostos, de hábitos, de interesses e de temperamento poderia mais logicamente desaguar em tristeza, angústia, apatia e desespero.

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Necessidade de calor

Vejamos palavras de Nikolai Berdiaev, em tradução do francês:

O que há de mais terrível para um ser humano é quando todo o mundo a seu redor parece-lhe estranho, hostil, frio, indiferente à sua miséria e à sua infelicidade. Um ser humano não pode viver no frio glacial: ele necessita de calor.

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Por que Machado de Assis não é primeiro escalão a nível mundial?

Tema espinhoso… Mas não há que temer. Busco há anos a resposta: por que um inglês pode prescindir de Machado, mas um brasileiro não pode prescindir de Shakespeare? Estou dizendo de um dos meus mestres, de um dos autores que mais nutro afeição… E, refletindo, ensaio a seguinte resposta: a grandeza de um autor pode ser sintetizada, em última instância, na soma entre estilo e temática da obra. Machado é nota máxima em estilo, restando-nos portanto a temática. Deixaria a desejar a temática da obra de Machado? Não creio… ainda que comparando com os maiores: há em Machado amplitude, há em Machado o conflito. Então percebo que falta algo à minha própria proposição. Que teria Tolstói que não tem Machado? Que teria Dostoiévski ou Shakespeare? Estilo, novamente, não poderia ser: Machado é mestre no mais alto grau. Mas fatalmente nosso artista não partilha do hall dos maiores autores de todos os tempos a nível mundial. Por quê? Arrisco outra opção que me parece razoável: falta vigor, dinamismo às personagens de Machado. Mas seria isso um demérito? Uma grande literatura exige uma personagem ativa ou um grande autor? Continuo sem resposta… Vem-me outra proposição: se as traduções, admita-se ou não, arranham o estilo da obra, que sobra dela? O arco de ação. Mas por que, exatamente, a grande obra deve ter um arco de ação bem definido? — aqui, sinto que avançamos… — As obras de Tolstói, Shakespeare ou Dostoiévski podem ser resumidas num diagrama, simplificadas como em atos de uma peça de teatro; já em Machado, nem todas são assim… Mas pergunto: seria esse um critério qualitativo? A que presta um arco de ação bem definido? À boa compreensão do leitor. E tem a obra artística de prestar esse serviço? Não sei, não sei… Pensei aqui concluir que o texto deve purificar o leitor, que a obra deve prendê-lo, que as histórias devem instruí-lo, que as temáticas devem ser abrangentes e que as personagens devem marcar. Mas tudo isso encontro em Machado e digo mais: bem passaria meus dias em contato exclusivo com sua obra. Portanto bem vejo: sou incapaz de considerá-lo em nível inferior. A mim, que o problema esteja nos leitores, nos críticos, nos tradutores… mas de minha boca não sairá que Machado está abaixo de ninguém!

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