Saída obrigatória

O niilismo é a saída obrigatória para quem percebe o avassalador vácuo de sentido num mundo onde as autoridades únicas, a ciência e o Estado, não serão jamais capazes de preenchê-lo. Minto: há a arte; mas esta, em verdade, é rota incerta e impenetrável.

____________

Leia mais:

Pretensão moderna

O desenvolvimento científico, com sua inestimável contribuição para a humanidade, trouxe um progresso inédito na história. O brilhantismo do aprimoramento da técnica, da solução de problemas antes tidos como insolúveis, da elevação drástica do padrão médio de vida ofuscaram de forma total as demais áreas do conhecimento. Entretanto, a sociedade moderna contaminou-se com a sensação estúpida de autossuficiência. O erro humano, por ser em grande parte mitigável, já não é visto como ameaça. A filosofia, a teologia e as ciências sociais tornaram-se, se muito, secundárias. Enquanto escrevo, aviões voam e órgãos vão sendo transplantados. Observo os avanços, vejo volatizada a sensação de progresso, percebo brilhar a ilusão de que o homem está próximo do ápice — apesar de faltar-me tino para saber que exatamente seria esse ápice… — Vejo, acima de tudo, a confiança dos estúpidos. Vejo a voracidade das tecnologias que se impõem sem pedir licença, mudam a realidade como num relampejar; destroem aperfeiçoando e, por aperfeiçoarem, acabam inquestionáveis. Percebo no limbo qualquer hierarquia de valores. O que já foi núcleo de sentido, as relações, hoje são frágeis, substituíveis, virtuosas enquanto úteis. Os sábios, sobretudo, estão com a cara enfiada num celular; torcem pelo barateamento dos implantes… Se falam — e deveriam! — o fazem baixinho, em sussurros quase inaudíveis. Onde estão os limites? Não há limites para o homem! Esquecemos do valor do fútil, esquecemos que desastrosos são os bem-intencionados. A consciência da falha, da perversão e da cobiça sucumbiu dando luz à esperança absoluta, que não é senão a certeza do sucesso. Acabo constatando o óbvio: a estúpida pretensão moderna só pode desembocar numa desilusão total e atroz.

____________

Leia mais:

Pais e filhos, de Ivan Turguêniev

Diz-se de Bazárov — protagonista de Pais e filhos, de Ivan Turguêniev — o primeiro personagem niilista da história. A importância desta obra, portanto, é imensa. Bazárov inaugura na literatura a postura de negação a qualquer tipo de autoridade ou princípio moral. Intelectual materialista, diz não acreditar em nada senão concordando com o que pode cientificamente ser comprovado através da experiência. A religião, a tradição, a arte… nada disso tem valor: as gerações passadas são “cartas fora do baralho” e “um bom químico é vinte vezes mais útil que qualquer poeta”. O psicológico de Bazárov é interessante: apesar de negar tudo, de não se curvar a nada, de saber da própria inutilidade e da insignificância do próprio esforço perante o universo e a eternidade, trabalha com afinco, desenvolve com diligência suas pesquisas científicas. Parece, ao longo da obra, absorto, envolvido em algo de grande importância, o que lhe justifica a frieza para com os que o rodeiam. Ao conversar com os mais velhos, despreza-os; não os considera capazes de ensinar nada de útil. Em contrapartida parece, em seu racionalismo, buscar incessantemente o conhecimento. Bazárov, a despeito de sua frieza e de sua inclinação ao retiro, ao trabalho, trava variadas relações ao longo da obra. E Turguêniev consegue, com maestria, projetar-lhe a influência do niilismo em seu meio: inteligente, é respeitado por todos, entretanto direciona aos mais próximos indiferença absoluta, cruel, fazendo-nos questionar sobre sua humanidade. Súbito, Bazárov se apaixona. Vendo-se apaixonado, sente uma profunda vergonha de si mesmo: o amor romântico é absurdo, uma estupidez imperdoável! Então Bazárov afasta-se a ver se subjuga-lhe a debilidade. O amor como fraqueza? Essa ideia é-nos assaz familiar… Se não negamos a própria ciência, como Bazárov, é certo que nosso individualismo afasta-nos das relações, teme-as e faz de tudo para evitá-las; importantes mesmo, somos nós, e nosso amor-próprio exige-nos seguidas manifestações de afeto. E que faz Turguêniev do romance? Bazárov isola-se, centra-se em seu trabalho; progride, mas sua postura aflige a todos que lhe estão em redor. Desgraçadamente, apanha tifo ao cortar-se com a bisturi fazendo a autópsia de um homem tombado pela doença. Cai de cama, envolve os mais próximos em forte comoção. Nega, porém, a confissão, suplicada pelo pai torturado ao assistir o martírio do filho. Bazárov morre negando aos outros a própria importância.

____________

Leia mais:

Natureza maldita

Vamos de Blaise Pascal:

Nada é tão insuportável ao homem quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimentos, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente sairá do fundo de sua alma a angústia, o negrume, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero.

____________

Leia mais: