Não há como deixar de enxergar o panorama de degradação cultural em que a sociedade moderna se afundou. Juntamente da ascensão da maioria, em plano superior colocadas suas preferências. O resultado? A alta cultura desprezada, reduzida ao supérfluo. Preceitos comportamentais ditados por uma psicologia de massa infame: todos, obrigatoriamente, a partilhar gostos e hábitos, sob ameaça de punição. E se o acesso foi, como nunca, facilitado, a facilidade redundou em perda de interesse pelo antes raro, em perda de valor. Que fazer, enxergando esse cenário? Contra as imposições da força numérica, nada há de possível: a escala de valores conjunta escapa ao campo de ação do indivíduo. Mas esta é desprezível como tudo o que provém de qualquer maioria. Resta forçoso, porém, uma reação cultural com violência sem precedentes.
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A misantropia é um dos traços mais salutares ao raciocínio que se tem notícia
A misantropia é um dos traços mais salutares ao raciocínio que se tem notícia. Ser misantropo envolve um esforço contínuo e desafiador. Quando se é misantropo, o sujeito torna-se um estrategista por necessidade. Aprende psicologia para entender a mente dos outros, para então lhes prever o comportamento e ser capaz de evitá-los. Tem de ser especialista em estímulos emocionais para saber não suscitar nunca nenhum em ninguém. O misantropo sabe que sua sagacidade será inversamente proporcional ao desconforto proveniente das relações sociais; portanto, quanto mais sagaz, mais plenamente alcançará o objetivo de reclusão. O interessante é que o estímulo nunca cessa, o cérebro do misantropo é instigado o tempo inteiro e jamais descansa, posto sempre haver a possibilidade de alguém interromper-lhe a solidão e solicitá-lo para qualquer coisa. É como um jogo interminável, extremamente salutar à inteligência e que, mais do que qualquer outro jogo, atiça a vontade de ganhar.
Ganhando a simpatia das pessoas
Opiniões são, sobretudo, desagradáveis. A nível individual, é escusado dizer: são as amarras, os grilhões do pensamento. A nível coletivo, quem as suporta? Nunca uma opinião é tão oportuna quanto seria deixar de dizê-la. As pessoas gostam de ser escutadas, não de escutar. Por isso é tão fácil lhes angariar a simpatia: basta relacionar com elas em silêncio, isto é, ouvi-las sem nada dizer. Se isso é possível, ou até suportável, aí é outra conversa…
O sujeito lê o jornal e quer dizer ao mundo suas opiniões
Impressiona o interesse do indivíduo — e não sei se deveria dizer desgaste — por aquilo que lhe escapa totalmente ao campo de ação. O sujeito lê o jornal e quer dizer ao mundo suas opiniões. Discute com o vizinho, revolta-se na divergência, atrita com quem quer que lhe conteste. Então compra mais jornais, busca informar-se mais para, na próxima ocasião, aniquilar os adversários de um debate que jamais levará a lugar algum. Despende tempo e nervos no inútil. Lê, para cada página de jornal, uma a menos de Shakespeare. Não compreende a própria insignificância, ignora o caráter nocivo da própria postura. Mas prossegue, é claro, em nome de sua maior virtude: a vaidade.