O gosto do verbo

É verdadeiramente impressionante o ser humano gostar de falar, falar, falar, quando o silêncio é infinitamente mais prazeroso. Relacionar-se ou, em outras palavras, envolver-se numa irritante e interminável guerra de vaidades… Conhecer gente: que é isso, meu Deus do céu? Tempo, esse bem finito, despendido de maneira, sobretudo, perniciosa. Mas há pior: o verbo, o tremer das cordas vocais quase nunca é fruto de uma motivação nobre. Má intenção, resultados desagradáveis… e continuamos a colecionar inconvenientes…

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O colapso da democracia

Divirto-me, por alguns minutos, imaginando hipóteses para o colapso natural da democracia. O colapso é natural porque a democracia é naturalmente falha e incompetente. Vamos ver: a primeira hipótese seria algum tipo de revolução. Difícil… Revoluções fazem barulho, o povo é o senhor do barulho, e dificilmente o povo apoiaria uma revolução para a abdicação do próprio poder. O povo jamais diria: “Realmente, sou um imbecil, e o mundo seria melhor se eu deixasse de me meter em questões que não tenho a menor capacidade de avaliar”. Por isso, ainda que regiões democráticas se vissem na miséria, dificilmente uma solução não democrática seria aprovada pela “vontade soberana”. Segunda hipótese: a subjugação pela força. Países não democráticos submeteriam os menos desenvolvidos e passariam a controlá-los politicamente. Muito, muito difícil se feito a descoberto: culminaria em guerra, mortes, revolta, etc. etc. Uma guerra parece-me, sobretudo, pouco inteligente. Há uma terceira hipótese, ainda considerando a subjugação pela força, porém de forma velada. Quer dizer: pela força econômica, os mais desenvolvidos e não democráticos solapariam a soberania dos atrasados. Parece-me perfeitamente possível, posto os infinitos e hipotéticos meios de execução. Tapear o povo seria tarefa facílima na era do marketing. Difícil, talvez, seria subjugar o ego dos representantes da vontade suprema. Mas para isso há capital, há tecnologia da informação, há engenharia de intimidação. Engraçado: ainda que dispensemos entrar em teorias da conspiração, a conjeturar conluios entre a elite global, resta evidentíssimo um balão inflando, inflando, inflando, e é inevitável não divertir-se imaginando-o a estourar.

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Todo ataque de natureza moral é, antes, um testemunho da vaidade

Todo ataque de natureza moral é, antes, um testemunho da vaidade. Quem ataca considera-se moralmente superior ao atacado. Quando executado em massa, porém, não só a vaidade manifesta-se, como a covardia e, quem sabe?, um certo sadismo, natural aos membros da insigne espécie quando incapazes de controlar-lhes os impulsos mais perversos. Destes, espera-se o que se espera de uma hiena: o sorriso de escárnio e o sangue a escorrer pelos dentes.

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E. T. A. Hoffmann no século XXI

Sorrio imaginando o juiz E. T. A. Hoffmann: juiz, nas palavras de Carpeaux, “dos mais honrados e — em tempos difíceis de reação política — dos mais independentes que houve jamais na Prússia”. Sorrio imaginando esse juiz em nosso estimável século. Quero dizer: o juiz, que também era habilíssimo narrador, seria facilmente destruído pelas hordas imbecis e invejosas que, nestes tempos, divertem-se arrasando vidas e carreiras. Engraçadíssimo seria, por exemplo, o enredo de Die Elixiere des Tenfels, romance primorosamente arquitetado, adaptado aos nossos dias: um pastor evangélico possuído pelo diabo é conduzido ao assassinato e ao incesto, logrando não só camuflar os próprios crimes, como galgar posições na pirâmide social. Pergunto: é ou não é divertido imaginar o que aconteceria com a reputação desse juiz caso tivesse-lhe o romance divulgado? Teria ele condições de, por exemplo, ser nomeado à Suprema Corte? O honrado juiz, neste século, aprenderia o que é ser democraticamente linchado.

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