Não é possível destacar-se do meio

É verdade: não é possível destacar-se do meio, ser um fantasma, completamente alheio ao próprio tempo. O meio, queira-se ou não, é componente importante. Entretanto cabe um exercício diário e proveitoso que consiste no distanciamento ou, em outras palavras, no silêncio. Voltar os olhos para dentro e, na medida do possível, ignorar o ambiente. Escolher o isolamento, negar a participação ativa, aceitar e adaptar-se. Buscar, se possível, fechar os ouvidos, bloqueando a influência externa. E, assim, permitir que fique do meio tão somente a parte inextinguível ou, façamos uma concessão, a parte essencial.

Nacionalismo e estupidez

Poucas ideias parecem-me tão estúpidas quanto o nacionalismo. Não fecho a frase e a mente aponta-me a objeção: Dostoiévski, Hugo, Cervantes… Rejeito. O que esses e muitos outros “patriotas” fizeram extrapola as limitadas fronteiras de onde viveram: a arte que engendraram é expressão de valor universal. Seria acintoso resumi-los a “nacionalistas”. O nacionalismo é uma das muitas portas à estupidez, o patriota ordinário é um ignorante pretensioso que limita, sempre, o próprio intelecto, graças a esse sentimento desprezível que Cioran, repetidas vezes, chamou de péché contre l’esprit. Cioran: exemplo de coragem e liberdade de espírito; um homem sem pátria; alguém que tomou ciência, na prática, de que não dista um milímetro do orgulho nacional à mais abjeta idolatria.

Contrariar o conveniente

Quando o grosso da rotina escorre, dia após dia, em questões de ordem prática, em atividades banalíssimas que se impõem sobre todas as outras, é muito difícil se não colocar a maldizer a existência. A solução mais simples: impedir que o intelecto se manifeste, calar a mente, nunca deixá-la expandir. Sendo tarde, quer dizer? buscar prazer na vida prática? arrumar esposa? filhos? Talvez… Do contrário, é reagir em contraposição ao imperativo da necessidade e, sofrendo as consequências do desdém para com o conveniente, encontrar satisfação no ato voluntário de revolta. Não há o que maldizer… há?

A acuidade de Carl Jung

É incrível notar a acuidade de algumas observações de Jung quando aplicadas à conduta geral e os seus reflexos naturais numa sociedade. Quando percebemos que há uma busca por validação externa operando incessantemente e englobando mesmo os atos estritamente individuais, entendemos porque há um grau tão elevado de submissão ao meio — este, tido em massa como o árbitro soberano. Disso à exigência pública de uma conduta contra a própria vontade, — ainda que dissimulada, — sob pena de cadeia ou linchamento, não vai um palito. E os reflexos? Quão previsíveis! O homem social é amputado de personalidade; é uma marionete do comportamento coletivo. Basta que um imbecil suba a um palanque, convença uma claque, e então a massa infinita de ovelhas, por medo e necessidade, estará a abraçá-lo.