Ao menos uma lição se pode tirar dos céticos…

Ao menos uma lição se pode tirar dos céticos: apegar-se apaixonadamente a uma crença é quase sempre tolice; o melhor é a serenidade, perante as dúvidas e perante as certezas. Apegar-se é frequentemente fechar-se, adicionando à crença um sentimento que o tempo amplifica, até um ponto em que, à menor contrariedade, exibe-se uma reação violenta. Afinal, manifesta-se não o conhecimento, ainda que presente, mas somente a emoção.

O brasileiro, hoje, cresce desprovido…

O brasileiro, hoje, cresce desprovido de um ambiente cultural compartilhado. Cresce sem saber o que é, por exemplo, literatura. E se por acaso a descobre, se um milagre desperta-lhe a curiosidade por ela e então procura o lugar em que escrevem os grandes autores, em que os grandes críticos estão a apresentar e criticar obras literárias, a disseminar o que de melhor se escreveu e se tem escrito, ele não o encontra, porque esse lugar não existe. O que há de bom são páginas amarelas e desbotadas, compráveis de segunda mão. E é curiosíssimo notar que, hoje, mesmo o que se escreve sobre literatura, não se escreve, mas se fala: o formato da alguma crítica literária que subsiste, compelida pela audiência, é o vídeo. Livros e letras tornaram-se intragáveis. Esse fracasso cultural assombroso, causa de um fracasso humano ainda maior, não ocorreria jamais num país que dispusesse ao menos de uma elite culta, porque esta, se verdadeiramente culta, tomaria para si a obrigação de algo fazer pela cultura, de algo fazer pelo país. Mas não, não… o melhor, agora, é nem instigá-lo, porque o mecenas possível é um mecenas já existente e desgraçadamente deturpado.

Especializar-se no cotidiano

Especializar-se no cotidiano é especializar-se em ter uma opinião imediata, quer malformada, quer pouco meditada sobre tudo. Em pouquíssimo tempo, o cérebro se acostuma à pobreza de critérios e se convence até de que a meditação é desnecessária, por nada poder adicionar. É claro que, muitas vezes, tem-se uma intuição acurada dos fatos; intuição, aliás, que meditação nenhuma poderá substituir. Mas, tratando-se do cotidiano, o que se apresenta como “fato”, quase sempre, é a falsificação de um fato ou, no máximo, o próprio irreconhecível por coberto por uma embalagem vigarista projetada para deturpá-lo. Sendo assim, e sendo frequentemente maçante e dificílimo retirar-se-lhe o envoltório, o melhor, a menos que o sentido de dever se manifeste, é deixá-lo para lá.

De toda a infinita lista de defeitos…

De toda a infinita lista de defeitos que se pode apontar na arquitetura brasileira, se existir mesmo algo que atende por esse nome, talvez aqueles que mais se sobressaem pela originalidade são, primeiro, a absoluta ausência de traços comuns entre uma construção e a vizinha, traços comuns aqueles sem os quais arquitetura nenhuma do mundo pode produzir harmonia num ambiente; segundo, a ausência, também absoluta, de traços que evidenciem uma tradição arquitetônica, traços que, para além de estabelecer uma conexão com a história, quando replicados configuram os mesmos traços comuns produtores de harmonia. O resultado, em suma, é essa paisagem urbana horrorosa, que patriotismo ou estupidez de nenhuma espécie é capaz de defender.