Amor: ressalto do egoísmo

Em minha limitada e breve experiência, jamais vi nada que se aproximasse à concepção altruísta do amor. Pelo contrário, os exemplos que a vida tratou de me prover sempre evidenciaram o amor como um ressalto do egoísmo. Mais: identifico facilmente o amor quando o vejo convertido em ódio, em processo naturalíssimo, quando o orgulho, ferido, prescinde dos escrúpulos e mostra-se em máximo vigor.

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Liberdade ou escravidão?

Raia a segunda-feira. O sujeito acorda, cedo, e dirige-se o trabalho, onde lhe passa o dia. Torna à sua casa, exausto, onde lhe restam poucas horas antes de dormir. No dia seguinte, repete a rotina, e depois e depois, a esperar no fim do mês um salário. Finais de semana: se o dinheiro sobra — ou falta, — é hora de empregá-lo a obter algum prazer. Passa-se um, dois, vinte anos, e o sujeito permanece na rotina, já ansioso pelo dia em que o Estado lhe pagará as despesas mensais. Pergunto: a liberdade, se em doses homeopáticas, não seria a escravidão? Ou ainda: não se perceber escravo não seria, em essência, patologia cerebral? De qualquer forma, reconheço: é melhor que tudo fique como está, seja pela placidez da rotina, seja pela escassez de antidepressivos no mercado.

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Pretensão moderna

O desenvolvimento científico, com sua inestimável contribuição para a humanidade, trouxe um progresso inédito na história. O brilhantismo do aprimoramento da técnica, da solução de problemas antes tidos como insolúveis, da elevação drástica do padrão médio de vida ofuscaram de forma total as demais áreas do conhecimento. Entretanto, a sociedade moderna contaminou-se com a sensação estúpida de autossuficiência. O erro humano, por ser em grande parte mitigável, já não é visto como ameaça. A filosofia, a teologia e as ciências sociais tornaram-se, se muito, secundárias. Enquanto escrevo, aviões voam e órgãos vão sendo transplantados. Observo os avanços, vejo volatizada a sensação de progresso, percebo brilhar a ilusão de que o homem está próximo do ápice — apesar de faltar-me tino para saber que exatamente seria esse ápice… — Vejo, acima de tudo, a confiança dos estúpidos. Vejo a voracidade das tecnologias que se impõem sem pedir licença, mudam a realidade como num relampejar; destroem aperfeiçoando e, por aperfeiçoarem, acabam inquestionáveis. Percebo no limbo qualquer hierarquia de valores. O que já foi núcleo de sentido, as relações, hoje são frágeis, substituíveis, virtuosas enquanto úteis. Os sábios, sobretudo, estão com a cara enfiada num celular; torcem pelo barateamento dos implantes… Se falam — e deveriam! — o fazem baixinho, em sussurros quase inaudíveis. Onde estão os limites? Não há limites para o homem! Esquecemos do valor do fútil, esquecemos que desastrosos são os bem-intencionados. A consciência da falha, da perversão e da cobiça sucumbiu dando luz à esperança absoluta, que não é senão a certeza do sucesso. Acabo constatando o óbvio: a estúpida pretensão moderna só pode desembocar numa desilusão total e atroz.

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Resistir à vida prática

Vejamos um trecho do excelente livro de Andrei Tarkovski, Esculpir o tempo:

Na verdade, sou fascinado pela capacidade que tem um ser humano de resistir a forças que impelem os seus semelhantes para a competição, para a rotina da vida prática: e esse fenômeno contém o material de muitas e muitas outras idéias para meus futuros trabalhos. E nisto que se baseia também o meu interesse por Hamlet, sobre o qual pretendo realizar um filme em futuro próximo. Esta peça das mais sublimes coloca o eterno problema do homem que é moralmente superior a seus pares, mas cujas ações necessariamente afetam e são afetadas pelo desprezível mundo real. É como se um homem pertencente ao futuro fosse obrigado a viver no passado. E a tragédia de Hamlet, tal como a entendo, está não em sua morte, mas no fato de ter sido obrigado, antes de morrer, a renunciar à sua busca da perfeição e transformar-se em um assassino comum. Depois disso, a morte só pode ser uma saída bem-vinda, pois de outro modo ele teria que se suicidar…

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