A suavidade da língua portuguesa

O francês, cujos artistas trataram-no com delicadeza ímpar, possui particularidades sonoras interessantes, uma melodia única, porém minada por um “r” bárbaro que, a despeito do que dizem os franceses, estraga a fluidez melódica da língua. Os poetas gálicos, estes dignos de todo o mérito, souberam contornar magnificamente essa limitação. Além disso, la langue maternelle du bon sens et de l’intelligibilité universelle possui uma evidente escassez de palavras graves, o que faz com que grande parte dos vocábulos franceses terminem em som de “e” ou “o” tônico, empobrecendo a música da língua. Entretanto, estamos aqui falando de um idioma esteticamente muito belo, com rica sintaxe e extremamente desenvolvido.

O espanhol, com seu “r” irritadíssimo fazendo tremer todas as frases, vê-se em dificuldade para eliminar a tensão inerente da língua quando há desejo de produzir versos brandos. É língua aberta por ter proeminência em “a”, e aguerrida: língua para fazer versos de guerras e batalhas — e para encrespar com o vizinho.

O italiano, sonora e esteticamente belíssimo, dispõe de matizes variados. É uma língua equilibrada e melódica, mas há o mesmo “r” vibrante espanhol, ainda que em doses significativamente menores.

Por que destas observações? Para abordar algo estritamente português, que diferencia nossa língua de todas as outras românicas: a suavidade — e aproveito para dizer que não sei uma única palavra de romeno, ficando essa língua de fora da análise.

A língua portuguesa é naturalmente melódica e harmônica, muito em razão de nosso “s” dos plurais, que em espanhol é insuficiente para conter a tremedeira provocada pelos “r”, é inexistente em italiano e ocultado na pronúncia francesa. Em português, porém, posto sua pronúncia tímida, faz com que as frases calhem suaves, tranquilas, produzindo uma harmonia serena. Além disso, nosso “r”, quase sempre discreto, não faz vibrar como no espanhol e nem ranger como no francês (basta comparar rua com rue, trabalho com travail ou jarro com jarra para notar a diferença de agressividade dos “r”).

Assim, temos uma língua que, se possui preponderância em “a” e abundância em “s” como no espanhol, produz efeito contrário, evidenciando-lhes a oposição de caráter: o português, dentre as românicas, é a língua de índole serena.

É claro, é claro… a língua não é senão uma ferramenta de expressão. É possível alcançar efeitos semelhantes em todas as línguas. Mas vejo, por exemplo, a suavidade portuguesa como um atributo especial, que permite aos poetas uma harmonia inata e um efeito naturalmente mais forte quando lançando mão de palavras como “trovão”, “ribomba”, “estronda”, “estala”, “irrompe”, etc. (em que há consoantes oclusivas e constritivas vibrantes, em geral). Percebo, também, uma riqueza fônica que se destaca em relação a, por exemplo, o francês, visto a melhor distribuição dos fonemas e maior variedade de vogais. Isso sem falar na flexibilidade sintática…

Mas deixo claro: não estou aqui a declarar a superioridade de uma língua em relação à outra: isso seria uma absoluta estupidez. Enfatizo, ainda, que minhas impressões partem do ponto de vista de um nativo de língua portuguesa; resta óbvio que um russo provavelmente lhas não compartilharia. Contudo, posso dizer-me satisfeito com a ferramenta de trabalho que disponho (ainda que empobrecida esteticamente após desastradas reformas ortográficas…).

E para fechar o tema, vamos de um exemplo da boa aplicação dos recursos da língua portuguesa, em especial do uso do “r” com finalidade dramática, um dos objetos destas reflexões. O mestre é Bocage, e o trecho retirado de sua tragédia Vasco da Gama ou o descobrimento das Índias pelos portugueses. O efeito alcançado dispensa qualquer comentário adicional:

Com sacras illusões me hallucinastes,
E, a minha alma cingindo a lei nefanda,
Fizestes (ai de mim!) que preferisse
Ás luzes da verdade as sombras do erro:
Oppressores crueis, baldadas foram
A vossa tyrannia, as artes vossas:
Seus direitos um Deus em mim recobra;
Por veredas, que a mente humana ignora,
Aos meus, e a si me reconduz o Eterno.
Mas em que agitações; em que terrores
Meu animo fluctua? Ah! Que terrivel
Sombrio agouro o coração me enluta!
Que scenas de traição, de horror, de morte
No triste pensamento me negrejam!

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Como aprender idiomas

Alguns truques que o tempo ensinou-me:

I- Estabelecer um objetivo maior só possível caso saiba o idioma. Exemplos: aprender inglês para ler sobre finanças, aprender espanhol a fim de emigrar, aprender latim para ler clássicos no original, aprender russo para ler o que ainda não foi traduzido etc. etc.

II- Do básico ao intermediário: primeiro, o ouvido; depois, a fala; depois, a leitura; e por fim: a escrita.

III- Aprender um idioma não é uma questão de inteligência, aptidão, nada. Aprender um idioma é insistência, é disciplina. Basta que não desista. É uma questão que pode ser resumida em: quanto tempo consegue persistir em um texto sem entender absolutamente nada?

IV- No início, é duro; pouco tempo depois, os progressos começam a aparecer e continuam até o nível intermediário, quando se inicia o contato com a literatura. Aí vem a parte mais difícil, dolorosa e desalentadora: a compreensão dos textos parece impossível, o vocabulário parece um muro insuperável, a leitura não é nem um pouco prazerosa e tem-se a sensação de estar perdendo um tempo imenso frente a um texto que não entregará nada. Pois bem: é exatamente neste ponto que, persistindo, aprende-se um idioma em definitivo.

V- Ser versado em gramática da língua nativa contribui incalculavelmente para aprender qualquer outro idioma.

VI- Cabe a repetição: professores e cursos são absolutamente dispensáveis. O autodidata não é o inteligente, e sim o que resiste em meio ao desconforto.

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