Disse ontem e prossigo na ideia: se me dessem, aos quatorze anos, uma bomba nuclear, eu garanto que a faria explodir. Sem dúvida! Explodi-la-ia, no mínimo, para ver o que acontecia, pela curiosidade da explosão. Mas aí está: ninguém, aos quatorze anos, recebe de presente uma bomba nuclear. As outras bombas — todas que me passaram em mãos! — as explodi, e as que não tinha, mas vi, trabalhei por consegui-las e cuidei, também, que explodissem. Hoje, não tenho o menor interesse por bombas. Os maus elementos de quem aprendi e a quem lecionei, também não — majoritariamente. A mim tudo isso é assaz natural… A maturidade exige a experiência do desvio, da libertinagem, da transgressão. Mais do que isso: malícia é uma disciplina de aulas práticas. Mas onde quero chegar? Falei em maturidade: não se amadurece aos sessenta. Depois de uma idade, o homem limita-se a ser o que é.
Contraste de gerações
O século XXI talvez tenha operado a mais drástica mudança comportamental de toda a história, e a evidência disto é o contraste patente entre as últimas gerações. Recordo-me a infância e a juventude e comparo-a com a atual: o jovem que fui aparenta de outra espécie. Mas engraçado! O jovem que fui presenciou, vivendo, esta mudança. O que experimentei, na rua, já praticamente não existe, e mesmo para mim deixou de existir. Entretanto, a escola de que fui aluno desde cedo e, aos quatorze ou quinze anos, deu-me o diploma após me exigir todas as manifestações mais extremas da licenciosidade, fazendo-me o sangue experimentar picos de adrenalina que jamais sentirei novamente e treinando-me para a vida, parece morta. Digo isso porque, após certa idade, já se não entra nessa escola: a idade traz facilitadores que inviabilizam o aprendizado real. E os jovens de hoje, trancados, protegidos das emoções e dos perigos da rua, crescem ignorando-a. Mas aqui está o contraste maior: aos vinte, eu via-me um velhaco cansado do mundo; aos vinte, um jovem de hoje vê-se inapto ao mundo e, por vezes, — oh, tragédia! — louco para experimentar.
Soneto nacional
Mirando o tíbio céu azul-cobalto,
Senhor entoava o verbo alegre e vivo:
“Viver de nessa terra não me privo!
Feliz sou no Brasil, que adoro e exalto!”Pois quando olhava ao céu, meditativo,
Foi quando lhe tomou um sobressalto:
Irrompe um homem, anuncia o assalto,
E aponta-lhe um revólver, agressivo.“Arre! A carteira! Passa, seu maldito!
Senão te mato, velho desgraçado!”
De lisas mãos, pôs-se o senhor aflito:“Não há dinheiro” — assim lhe respondeu…
Estoura o tiro! Sangue ao ar jorrado.
Com peito perfurado, assim morreu.
(Este poema está disponível em Versos)
O mundo que não existe mais
William Faulkner, em entrevista para a Paris Review:
There were many things I could do for two or three days and earn enough money to live on for the rest of the month.
Quê! Two or three days! Releio a entrevista perplexo. Só de imaginar que, há menos de um século, era possível viver o mês pintando casas por dois ou três dias, o sorriso desaparece-me da face. Dois ou três dias! E, hoje, é necessário trabalhar até quando se não trabalha. Exercito a matemática: quanto custa o quilo da carne? Restrinjo-me a dieta, atenho-me ao essencial: três dias por mês não pagam nem a semana! E o pior é enxergar o óbvio: não há escolha. É aceitar-se as energias e o tempo drenados a contragosto todos os dias por anos, décadas, para então olhar para trás em lamento…