A poesia lírico-amorosa está condenada ao desaparecimento

A poesia lírico-amorosa, senão morta, está condenada ao desaparecimento. Essa é, sem dúvida, a conclusão que berra após uma observação apurada das últimas décadas. O que ocorreu não foi uma mudança no caráter dos relacionamentos, mas um sepultamento definitivo de quanto servia de inspiração aos versos que já nem comovem. Poderia citar o pensamento corrente, a psique socialmente aceita pregadora do desapego. Mas esta é demasiado frágil, só aplicável enquanto máscara da psique individual e só relevante enquanto manifestação da hipocrisia. O que ocorre, porém, é que as pessoas tornaram-se pratos de um cardápio sempre online e acessível a um toque. Distância, medo da perda e, principalmente, carência de meios e opções sempre atuaram como tonificadores de um relacionamento, a despeito das aparências. O lamento, num verso, não é senão a expressão do afeto por alguém que aparenta especial e insubstituível. Hoje, tudo isso acabou. E se o século vigente aparenta evoluído, veremos como reagirá quando exposto o terrível e imenso vazio aberto pela perda em massa dos vínculos afetivos — outrora fulcros formadores de sentido, — pelo endosso de soluções falsas e pela desumanização gradual do ser humano. Imagino crianças assustadas entupindo os consultórios psicológicos…

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Vivem pouco justamente os que aparentam viver muito

Bato estas notas, sempre, em ambiente estático, em completa solidão. Tudo rigorosamente imóvel, exceto meus dedos assanhados. Há pouco, pensei em Fernando Pessoa. Para o meu espanto, ele apareceu vivo, vivíssimo do meu lado. Como? É o que eu gostaria de saber. Havia pensado, pouco antes, em escrever o seguinte: “A existência só me é justificável como resposta aos autores que li, como a continuidade do que eles começaram”. E concluiria que, apesar de mortos, eles não morreram. Então Pessoa irrompe no meu quarto. É curioso: há um século atrás, ele estava, como eu, encerrado num quarto em qualquer canto de Lisboa, refletindo em solidão. Sabia ele da potência dos próprios versos? que resistiriam, vigorosos, à tirania do tempo? Sabia… o Pessoa sabia… E, naturalmente, aos olhos do mundo, encerrado num quarto, o poeta “deixava de viver”. Pergunto: e agora, e para o resto da eternidade, quem vive e viverá mais: o sujeito que “vivia”, ou o poeta, que “deixava de viver”? Um século depois, Pessoa, rompendo a barreira do tempo e do espaço, encontra-se em meu quarto. E se abro sua Ode marítima, serei tomado de uma euforia real e fortíssima, mais viva que qualquer outra sensação que uma pessoa (com “p” minúsculo) contemporânea poderia me gerar. E aí está o óbvio: vivem pouco — muito, muito pouco — justamente os que aparentam viver muito, aos olhos do míope convencional…

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A filosofia da composição, de Edgar Allan Poe

Em A filosofia da composição, Edgar Allan Poe explana, detalhadamente, o seu processo de criação poética, exemplificando através de seu poema mais conhecido, o maravilhoso The Raven.

Sem intenção de resumir ainda mais o que já se encontra extremamente resumido nas poucas páginas do ensaio, vamos a alguns tópicos interessantes.

Poe começa, em tradução livre:

Seleciono “The Raven” por ser o mais conhecido. É meu desejo tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição é relacionado a um acidente ou intuição — que o trabalho prosseguiu, passo a passo, até sua conclusão, com a precisão e a consequência rígida de um problema matemático.

Alguma surpresa? É claro que não.

Doce ilusão a dos que pensam que uma grande criação artística seja fruto de qualquer iluminação divina: é fruto de trabalho duro, critério e rigor.

The Raven é, esteticamente, primoroso. A atmosfera e a musicalidade que emana desse pequeno poema é magnífica.

E é interessante verificar a progressão do processo criativo de Poe: primeiro, a ideia; depois, o tom; depois, o formato; e, finalmente, a composição.

Quer dizer: ao compor The Raven, ao pensar em como desenvolveria The Raven, Poe sentou-se já sabendo sobre o que iria compor, quanto iria compor e como iria compor. A unidade alcançada não foi fruto do acaso.

Outro aspecto interessante de A filosofia da composição é a maneira como Poe enfatiza a importância do tom do poema: primário, uma vez definido, influencia todas as demais etapas da construção poética.

A beleza, seja ela de qualquer estirpe, em seu desenvolvimento supremo, invariavelmente excita a alma sensível às lágrimas. A melancolia é, pois, o mais legítimo de todos os tons poéticos.

E The Raven, impregnado de melancolia, faz transbordar o sentimento e o leitor, em poucos versos, vê-se em estado de espírito semelhante.

Isso ocorre, primeiro, em razão dos efeitos pictóricos: a noite tempestuosa, a solidão no quarto e o corvo que irrompe da escuridão.

Depois, pela melancolia proveniente da morte da mulher amada.

E, finalmente, em razão da repetição dos fonemas fechados, graves e longos no final das estrofes — “nevermore”, “nevermore”, “nothing more”, “nothing more”

The Raven é um poema maravilhoso, intraduzível que, após fechado, permanece a ecoar. E se algo conclui-se após conhecer-lhe o processo construtivo é que o alto nível, em poesia, atinge-se somente em decorrência de um tremendo rigor.

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É necessário paciência para se compor um poema

Disse uma vez que forçar o início do movimento dos dedos basta para que a prosa tome vida. Ou, em outras palavras: faz-se prosa à força. Quão diferente é a poesia! Nela, não há que fazer: para que saia com qualidade, é necessário, acima de tudo, paciência. Para que se comece a compô-lo, o poema tem de estar praticamente pronto, isto é: estruturalmente definido e com os versos, no mínimo, bem esboçados. E paciência para o terrível trabalho de encontrar entre centenas de milhares de palavras as que exprimem o pensamento, enquadram-se no ritmo e entregam a sonoridade desejada. E mais paciência: pois quando, após exaustivo trabalho, o poema aparenta finalizado, é hora de pô-lo a descansar. Semanas? Meses? O que está claro é que, sem tremenda paciência, os versos não chegam à almejada forma final.

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