Resposta a Augusto dos Anjos

Leio o soneto de Augusto dos Anjos, intitulado Perfis chaleiras:

O oxigênio eficaz do ar atmosférico,
O calor e o carbono e o amplo éter são
Valem três vezes menos que este Américo
Augusto dos Anzóis Sousa Falcão…

Engraçado, magríssimo, pilhérico,
Quando recita os versos do Tristão
Fica exaltado como um doente histérico
Sofrendo ataques de alucinação.

Possui claudicações de peru manco,
Assina no “Croquis” Rapaz de Branco
E lembra alto brandão de espermacete…

Anda escrevendo agora mesmo um poema
E há no seu corpo igual a um corpo de ema
A configuração magra de um 7.

Respondo:

No vasto cosmos multiplanetário
Encontra-se um sujeito num recinto:
Lhe ferve a testa, falta-lhe o instinto,
Pois fisga verbos frente a um dicionário.

Mas que vergonha! Artistinha ordinário!
Enquanto escreve bebe vinho tinto…
Acordo. É sonho! E m’escapou, pressinto,
Outro enigma do meu imaginário…

Mas eis que vejo a cena por completo:
Eu mesmo empunho a caneta, risonho,
E firmo logo abaixo do soneto:

Luciano dos Anzóis Sousa Falcão.
É isso! É isso! E a moral deste sonho:
Também não sou ninguém, querido irmão!

____________

Leia mais:

A ilusão de liberdade poética

A evolução da poesia ao longo dos séculos passa-nos uma falsa ilusão de liberdade angariada, deixa parecer a nós que, no decorrer dos séculos, os poetas foram paulatinamente se livrando das amarras dos versos até alcançar o verso livre.  Em parte, os poetas provaram-se capazes de quebrar antigas convenções, introduziram novos recursos expressivos (o enjambement, por exemplo) e alargaram as possibilidades estéticas da poesia. Mas é falso que pensar que, sentando-se a compor, o poeta sente-se livre quanto à forma, mesmo em verso livre. Isso, é claro, se for bom poeta. Mas por quê? Porque ainda que abra mão da métrica, das rimas, varie as estrofes e extrapole os limites do verso, o poeta estará preso ao ritmo. Se pretender compor um bom poema, não é livre para colocar as palavras onde quiser. Ritmo, balanço entre sílabas tônicas e átonas, movimento cadenciado de sons: no dia em que for considerado bom o poema que ignore esses princípios, seremos todos — de analfabetos a filisteus — grandes poetas.

____________

Leia mais:

O problema da originalidade

Interessante como o dever de originalidade assombra o escritor médio. Quer dizer: antes de expressar-se com sinceridade e potência, tem de ser original. Mas a originalidade, a menos que o escritor deliberadamente se valha de uma fórmula pronta, plagie e recuse-se a pensar com independência, aparece de forma natural. Primeiro, porque as interpretações psicológicas dos fatos, a relação travada entre o indivíduo e a realidade circundante são variáveis e quase únicos. Segundo, porque as biografias, estas sim, são absolutamente individuais, ou seja: cada escritor possui experiências únicas a serem transmitidas para sua arte. Por isso, a menos que tencione ser alguém que não a si mesmo, qualquer meia dúzia de linhas sinceras fará com que o escritor pareça sempre original.

____________

Leia mais:

Violando regras

Acabo de acompanhar, encantado, um policial a trafegar na contramão, sem o cinto de segurança, e estacionar com uma das laterais sobre a calçada. Estacionou e parecia observar uma árvore do outro lado da rua. Incrível! Fantástico! E não pude conter o desejo de, eu mesmo, replicar a ação. Quero trafegar na via contrária, subir na calçada e observar uma árvore, como a verificar se ela está nos conformes. Será que o policial paga multas? Eu não quero respeitar as leis! Ah! ah! ah!… Quero estacionar, diante de uma placa, em local proibido. E ignorar o parquímetro! Inspiração, ídolo este policial… E com este sentimento inicio-me, hoje, na obra de Henry David Thoreau. Conta-me, mestre, o que aprendeste catequizando bichos na floresta? Não gosto tanto assim de animais selvagens, mas quem sabe?… Quero isolar-me, dar o cano em todos os impostos, transgredir todas as regras. Ensina-me?

____________

Leia mais: