Aprender latim de forma independente

Diante de uma língua que parece jamais se entregar, frustrado em leituras que simplesmente não avançam, penosas, exigindo-me interrupções constantes, quebrando-me o raciocínio e escondendo-me terminantemente o ritmo dos textos, penso que aprender latim de forma independente talvez seja como construir um prédio de cinco andares, desde a fundação até o acabamento, com instalações elétricas e hidráulicas, sem dispor de manual algum nem auxílio de um único operário. Para que tudo isso? É o que me pergunto… Agrada-me o masoquismo intelectual? ofender-me, diversas vezes ao dia, ao ver-me pela centésima vez pinçando a mesmíssima palavra no dicionário? Um mistério…

Por esses dias vi uma professora de inglês a ensinar-lhe à aluna: “Enquanto continuar a traduzir, você não irá aprender”. Desde então estudo latim sorrindo. Olho-me ao caderno, com duzentas páginas de traduções e anotações que parecem grafadas a sangue, ciente de que, tendo em mãos um original latino, simplesmente não serei capaz de avançar.

Mas aí está, querido Latim: eu continuarei sorrindo enquanto você me humilha e me açoita. Para mim não faz diferença… Sei que o cérebro humano aprende à base de pancadas. Pode atirar-me seus pronomes terríveis, verbos depoentes, defectivos ou semidepoentes, duplo acusativo ou dativo, embaralhar a ordem das palavras, fazer-me consultar pela milésima vez o significado do mesmo advérbio…  Tanto faz. Estarei sempre pensando na professora de inglês a ensinar: “Pense em inglês, pense “cat”, pense “dog”, pense “bird”…”. E meu caderno, comprado já nem sei em que ano, continuará a ser preenchido, uma página por dia, até que você desista e se renda à minha obsessão de parvo. Estamos combinados!

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Romances psicológicos

Proverbiais são as críticas aos chamados “romances psicológicos”, isto é, romances em que o autor explora a mente e as motivações psicológicas de suas personagens e foca a narrativa na progressão dos fatos e ações.

Dizem alguns, sobre autores deste estilo de romance, carecerem de uma espécie de veia artística, que supostamente os obrigaria a pintar cada paisagem, cada ambiente com máximo detalhamento possível. É um ponto interessante.

Entretanto vejo o leitor muito mais interessado no arco de ação, nos dramas psicológicos de personagens que lhe causam alguma empatia ou repulsa, do que em saber, por exemplo, a respeito dos objetos deixados em cima de uma mesa em madeira com sinais de mofo.

Poderíamos aqui prosseguir em discussão extensa, polêmica e absolutamente inútil, e o leitor acabaria por contrapor-me as palavras às belíssimas descrições feitas por grandes artistas, como se encontra com frequência em Tolstói, Turgueniev, Tchekhov, Eça de Queiroz e muitos outros. Não vem ao caso.

O que quero dizer é o que vejo operando na cabeça do leitor quando em contato com algum destes ditos “romances psicológicos”.

Se, por um lado, é possível apontar carência em descrições destes romances, por outro podemos dizer que o fio da narrativa jamais afrouxa, jamais se rompe, e que o leitor, absorvido e concentrado, passa a desempenhar papel ativo na narrativa.

Que quero dizer? Pensemos, por exemplo, nas descrições físicas das personagens.

Há narrativas onde o autor nos não concede senão um ou dois traços característicos da personagem e então lhe descreve minuciosamente o psicológico.

Que fazemos? Através das características psicológicas desta personagem, passamos a desenhá-la fisicamente baseando-nos em nossa própria experiência. O personagem tem vasto bigode? Ótimo: o que, em nós, evoca um vasto bigode?

Outra: o autor traça o psicológico de um canalha. Como é, fisicamente, o maior canalha que já conhecemos? Pois façam, psicólogos, as devidas pesquisas e confirmarão o que vou dizer: o canalha, se não descrito em detalhes, sairá detalhadamente desenhado pelo leitor, ou ainda: o leitor, talvez, não necessite de demasiadas informações.

E finalizo refletindo: que história parecerá mais real, mais intensa e instigante ao leitor: a que ele completa e participa ativamente, desenhando personagens semelhantes ao seu próprio universo, ou a que o autor…

Não há necessidade de completar a pergunta. Cabe ao artista, porém, o planejamento e a distribuição inteligente de seus gatilhos, usando-os, evidente, com a devida cautela.

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O desejo de luz

Palavras de Simone Weil, em minha tradução:

Se procurarmos com verdadeira atenção a solução de um problema de geometria, e se, ao cabo de uma hora, não estivermos mais avançados do que no início, ainda assim teremos avançado durante cada minuto desta hora em uma outra dimensão mais misteriosa. Sem que possamos sentir, sem que possamos perceber, esse esforço aparentemente estéril e infrutífero colocará mais luz em nossa alma. (…) Se realmente houver desejo, se o objeto de desejo for realmente a luz, o desejo de luz produzirá luz.

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O verdadeiro artista

Semanas, talvez anos de meditação, trabalho árduo, recolhimento e esforço psicológico intenso para dar luz a uma obra que não fará muito mais do que lhe expor toda a fragilidade e imperfeição: eis a realidade do verdadeiro artista. Lidar com o retorno financeiro mínimo e quase sempre lhe julgar os esforços não recompensados. Ademais ver as críticas, em sucesso ou fracasso, marcando-lhe a presença obrigatória. Como explicar? Quem trabalharia diante de tal sorte? Publicar uma obra é não menos que a exposição total. E se assim concluímos, será forçoso adicionar que o verdadeiro artista, o que se esforça por gravar-lhe as impressões e sentimentos em obra artística, seja ela qual for, podem faltar-lhe as demais qualidades, mas não esta: a coragem.

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