Nietzsche e a impotência da linguagem

Nietzsche foi um crítico da linguagem. Sabiamente percebeu que ela só é capaz de generalizar, simplificar o mundo e falsificar o real. Pascal disse parecido em torno da mesma lógica: a essência, ou o conhecimento, não está passível de ser posto em palavras — ou apreendido. Para Nietzsche, a linguagem é uma tradução, e nosso aparato cognitivo não nos dá senão uma perspectiva da realidade, ou seja: não somos capazes de definir a coisa em si, e saber é questão de interpretar e buscar o domínio do caos da aparência. Muito bem! Pois que eu olho em redor e só vejo convicções, verdades, opiniões sensatas, interpretações fundamentadas, conclusões empíricas, tudo isso envolto num maniqueísmo absoluto. Cautela e dúvida, hoje, são sinais de fraqueza e falta de preparo. Por isso — e por outras — reconheço minha absoluta incompatibilidade para com meu tempo e meu profundo desprezo para com as pessoas em meu redor.

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Quincas Borba, de Machado de Assis

A mim, Rubião — protagonista de Quincas Borba — é o maior personagem de Machado de Assis. Já li diversos críticos a ressaltar a impotência dos personagens de Machado, a inabilidade para com a vida, a inaptidão, a apatia. Muito bem! E ademais não sofremos a dizer que em Rubião a figura humana se apresenta em amplitude, em precisão. Lendo Quincas Borba, vemos a filosofia sepultada pela paixão, a inteligência transfigurada pelo amor e, acima de tudo, Rubião a percorrer o íngreme declive pelo qual todo homem tem de enveredar. Finda o livro, cômico e melancólico, ridículo e triste, ambíguo como a vida sempre é. E se acaso deixa em nós alguma dúvida quanto a que sentir, o mestre trata de nos aconselhar:

Eia! chora os dous recente mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma cousa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.

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Esperança: o aguardente santo

Se, por um lado, a esperança é a estupidez suprema, “a apólice do pobre”, a “erva daninha que come todas as outras plantas melhores” — parafraseando Machado de Assis, — por outro a esperança é, de fato, virtuosíssima, indispensável, de modo que, abstendo-nos dela, a vida facilmente se nos afigura insuportável. E então? Que decidir? Que fazer deste aguardente santo? Tomá-lo ou não? Naturalmente, cada qual deve sorver a quantidade que mais lhe apeteça — tratando a abstinência e a gula, como sempre, de apontar-nos quem são os imbecis.

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A frivolidade de Eça de Queiroz

Deixemos falar Eça de Queiroz, que tantas vezes viu-lhe os romances acusados de frívolos:

Uma comoção passou-lhe na alma, murmurou, travando do braço do Ega:

— É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!

Ega não se admirava. Só ali, no Ramalhete, ele vivera realmente daquilo que dá sabor e relevo à vida — a paixão.

— Muitas outras coisas dão valor à vida… Isso é uma velha ideia de romântico, meu Ega!

— E que somos nós? — exclamou Ega. — Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão…

Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca dela, torturando-se para se manter na sua linha inflexível, secos, hirtos, lógicos, sem emoção até ao fim…

— Creio que não — disse o Ega. — Por fora, à vista, são desconsoladores. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de se ser insensato ou sem sabor…

— Resumo: não vale a pena viver…

— Depende inteiramente do estômago! — atalhou Ega.

Riram ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear… Não se abandonar a uma esperança — nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada que se chama o Eu ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo… Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades. Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade de todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na Terra porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Ecclesiastes, em desilusão e poeira.

— Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna como a dos Rothschilds ou a coroa imperial de Carlos V, à minha espera, para serem minhas se eu para lá corresse, eu não apressava o passo… Não! Não saía deste passinho lento, prudente, correto, que é o único que se deve ter na vida.

— Nem eu! — acudiu Carlos com uma convicção decisiva.

E ambos retardaram o passo, descendo para a Rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrarem ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém.

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