Pais e filhos, de Ivan Turguêniev

Diz-se de Bazárov — protagonista de Pais e filhos, de Ivan Turguêniev — o primeiro personagem niilista da história. A importância desta obra, portanto, é imensa. Bazárov inaugura na literatura a postura de negação a qualquer tipo de autoridade ou princípio moral. Intelectual materialista, diz não acreditar em nada senão concordando com o que pode cientificamente ser comprovado através da experiência. A religião, a tradição, a arte… nada disso tem valor: as gerações passadas são “cartas fora do baralho” e “um bom químico é vinte vezes mais útil que qualquer poeta”. O psicológico de Bazárov é interessante: apesar de negar tudo, de não se curvar a nada, de saber da própria inutilidade e da insignificância do próprio esforço perante o universo e a eternidade, trabalha com afinco, desenvolve com diligência suas pesquisas científicas. Parece, ao longo da obra, absorto, envolvido em algo de grande importância, o que lhe justifica a frieza para com os que o rodeiam. Ao conversar com os mais velhos, despreza-os; não os considera capazes de ensinar nada de útil. Em contrapartida parece, em seu racionalismo, buscar incessantemente o conhecimento. Bazárov, a despeito de sua frieza e de sua inclinação ao retiro, ao trabalho, trava variadas relações ao longo da obra. E Turguêniev consegue, com maestria, projetar-lhe a influência do niilismo em seu meio: inteligente, é respeitado por todos, entretanto direciona aos mais próximos indiferença absoluta, cruel, fazendo-nos questionar sobre sua humanidade. Súbito, Bazárov se apaixona. Vendo-se apaixonado, sente uma profunda vergonha de si mesmo: o amor romântico é absurdo, uma estupidez imperdoável! Então Bazárov afasta-se a ver se subjuga-lhe a debilidade. O amor como fraqueza? Essa ideia é-nos assaz familiar… Se não negamos a própria ciência, como Bazárov, é certo que nosso individualismo afasta-nos das relações, teme-as e faz de tudo para evitá-las; importantes mesmo, somos nós, e nosso amor-próprio exige-nos seguidas manifestações de afeto. E que faz Turguêniev do romance? Bazárov isola-se, centra-se em seu trabalho; progride, mas sua postura aflige a todos que lhe estão em redor. Desgraçadamente, apanha tifo ao cortar-se com a bisturi fazendo a autópsia de um homem tombado pela doença. Cai de cama, envolve os mais próximos em forte comoção. Nega, porém, a confissão, suplicada pelo pai torturado ao assistir o martírio do filho. Bazárov morre negando aos outros a própria importância.

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Natureza maldita

Vamos de Blaise Pascal:

Nada é tão insuportável ao homem quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem negócios, sem divertimentos, sem atividades. Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente sairá do fundo de sua alma a angústia, o negrume, a tristeza, a aflição, o despeito, o desespero.

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A paciência

Está aí uma grande qualidade: a paciência. E o que é, em suma, a paciência? Podemos dividi-la da seguinte maneira: o saber da transitoriedade do presente e o saber dos efeitos do tempo. Quase nada de verdadeiramente valioso, verdadeiramente capaz de trazer-nos orgulho se nos afigura desprovido do vigor somente dado pelo tempo. Quero dizer: o tempo fortalece e aprimora nossas qualidades, nossos feitos, e a paciência é a virtude necessária para deixá-lo agir. E quanto ao que nos aflige e nos desconsola? Transitório. O que nos alegra? Também. O tempo amplifica, mas atenua. Assim, qualquer que tenha algum objetivo, um propósito ou uma meta suficientemente relevante, ou que se sinta extremamente alegre ou desconsolado em determinado período, faz bem em desenvolver essa sábia virtude que é a paciência.

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Cândido, ou o otimismo, de Voltaire

Assim como A revolução dos bichos, de George Orwell, é a melhor vacina contra o comunismo, Cândido, ou o otimismo, de Voltaire, é a melhor vacina contra a risível noção contemporânea de autossuficiência do homem. “Você pode conseguir o que quiser”, “o mundo é uma projeção do seu interior”, “pensar positivo é a chave para o sucesso”, e outros muitos jargões contemporâneos são facilmente derrubados pelo escárnio de Voltaire. E se temos hoje ressalvas quanto ao julgamento da filosofia de Leibniz feito em Cândido, em decorrência do redescobrimento deste filósofo já no século XIX, a obra imortal de Voltaire não deixa jamais de perder seu valor instrutivo. Em suma, Voltaire coloca Cândido diante da impotência humana perante o meio, da implacável maldade humana em todas as terras e do vil desejo que comanda nossas ações. E Cândido, mesmo encontrando o paraíso terrestre após uma sucessão escandalosa de desditas, decide deixá-lo após julgar que neste país seria “como todos os outros” e que não estaria na companhia de sua amada — que, segundo seu julgamento, já deveria dispor de novo amante; — mostrando-nos como o homem é refém da própria natureza e da própria ambição. Podemos tirar de Cândido, pois, uma lista de lições, dentre elas estas, valiosíssimas em nosso tempo: humildade perante as nossas possibilidades, vergonha perante a ambição que nos domina e reverência perante o fado que nos assola.

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