O ódio consagra com maior frequência que o amor

É curioso notar que o ódio consagra com maior frequência que o amor. E curioso notar como a mesquinhez humana inicia e fecha o arco da obra artística: motiva a agressão e chicoteia o agressor. Penso se haverá arte entre anjos. Talvez. Mas sendo o homem como é, a arte terrena jamais poderá ser diferente do que sempre foi. E a inveja e o ódio serão eternamente, na terra, as medalhas concedidas ao progenitor da grande arte.

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O desejo de concordância

Poucos instintos são tão perniciosos às relações sociais e, especialmente, à personalidade do artista como o desejo de concordância. Em primeiro lugar, por ser esta uma manifestação da vaidade. Em segundo, pelas naturais implicações: discussões inúteis, antipatias gratuitas e fortalecimento do apego às próprias ideias. Tudo isso é veneno para alguém que deseja cultivar relações amigáveis e, pior, dar origem a uma obra artística. Conviver com o dissidente não é somente obrigatório, como o mundo é melhor por duas pessoas não pensarem igual. E quanto ao artista: que é que ele tem a ver com a opinião dos outros ou com a própria opinião? Desejar a concordância o tornará um egocêntrico, de antolhos, inclinado a usar da arte para adornar as próprias convicções. Como artista, inevitavelmente falhará, posto o desejo de concordância ser mancha que, em contato com a arte, impregna e não sai.

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O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde

Abri O retrato de Dorian Gray em grande expectativa. O motivo, ser Oscar Wilde uma das personalidades mais intrigantes da história. Lembro-me das palavras de Carpeaux: “Sua vida, foi obra de gênio; e ao gênio a sociedade sempre fez pagar caro a singularidade de sua natureza”. Abri o livro, pois, desejoso da manifestação do gênio. Encontrei. O retrato de Dorian Gray é romance que só pode ser escrito por um grande artista. A começar, pelo enredo: a história é instigante desde o primeiro ao último capítulo. Os três principais personagens do livro estão muitíssimo bem desenvolvidos; amigos, representam faces conflitantes de uma mente genial. A moral é posta à prova, a arte em evidência, as relações sociais em cheque e os dramas psicológicos a faiscar. Basil Hallward, como poucos, retrata a personalidade de um artista. Lord Henry Wotton é personagem com vivacidade impressionante. E Dorian Gray desenvolve-se em arco engenhoso traçado por Wilde. Sobeja na obra a coragem, a acuidade psicológica: o autor não escreve acorrentado, não teme a rejeição. E consegue, assim, expressar-se com sinceridade e potência, entregando personagens singulares e reais. Não há que dizer: Oscar Wilde continuará difamado pelos séculos dos séculos. Mas jamais deixará de ser o que foi: um grande artista.

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Coragem!

Nova aula de Camões:

(Mote que lhe mandou o Viso-Rei)

Muito sou meu inimigo,
Pois que não tiro de mi
Cuidados, com que nasci,
Que põe a vida em perigo.
Oxalá que fôra assi!

(Volta)

Viver eu, sendo mortal,
De cuidados rodeado,
Parece meu natural;
Que a peçonha não faz mal
A quem foi nella criado.
Tanto sou meu inimigo,
Que por não tirar de mi
Cuidados, com que nasci,
Porei a vida em perigo.
Oxalá que fôra assi!

Tanto vim a accrescentar
Cuidados, que nunca amansão
Em quanto a vida durar,
Que canso ja de cuidar
Como cuidados não cansão.
S’estes cuidados, que digo,
Dessem fim a mi e a si,
Farião pazes comigo;
Que pôr a vida em perigo,
O bom fôra para mi.

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