Romances psicológicos

Proverbiais são as críticas aos chamados “romances psicológicos”, isto é, romances em que o autor explora a mente e as motivações psicológicas de suas personagens e foca a narrativa na progressão dos fatos e ações.

Dizem alguns, sobre autores deste estilo de romance, carecerem de uma espécie de veia artística, que supostamente os obrigaria a pintar cada paisagem, cada ambiente com máximo detalhamento possível. É um ponto interessante.

Entretanto vejo o leitor muito mais interessado no arco de ação, nos dramas psicológicos de personagens que lhe causam alguma empatia ou repulsa, do que em saber, por exemplo, a respeito dos objetos deixados em cima de uma mesa em madeira com sinais de mofo.

Poderíamos aqui prosseguir em discussão extensa, polêmica e absolutamente inútil, e o leitor acabaria por contrapor-me as palavras às belíssimas descrições feitas por grandes artistas, como se encontra com frequência em Tolstói, Turgueniev, Tchekhov, Eça de Queiroz e muitos outros. Não vem ao caso.

O que quero dizer é o que vejo operando na cabeça do leitor quando em contato com algum destes ditos “romances psicológicos”.

Se, por um lado, é possível apontar carência em descrições destes romances, por outro podemos dizer que o fio da narrativa jamais afrouxa, jamais se rompe, e que o leitor, absorvido e concentrado, passa a desempenhar papel ativo na narrativa.

Que quero dizer? Pensemos, por exemplo, nas descrições físicas das personagens.

Há narrativas onde o autor nos não concede senão um ou dois traços característicos da personagem e então lhe descreve minuciosamente o psicológico.

Que fazemos? Através das características psicológicas desta personagem, passamos a desenhá-la fisicamente baseando-nos em nossa própria experiência. O personagem tem vasto bigode? Ótimo: o que, em nós, evoca um vasto bigode?

Outra: o autor traça o psicológico de um canalha. Como é, fisicamente, o maior canalha que já conhecemos? Pois façam, psicólogos, as devidas pesquisas e confirmarão o que vou dizer: o canalha, se não descrito em detalhes, sairá detalhadamente desenhado pelo leitor, ou ainda: o leitor, talvez, não necessite de demasiadas informações.

E finalizo refletindo: que história parecerá mais real, mais intensa e instigante ao leitor: a que ele completa e participa ativamente, desenhando personagens semelhantes ao seu próprio universo, ou a que o autor…

Não há necessidade de completar a pergunta. Cabe ao artista, porém, o planejamento e a distribuição inteligente de seus gatilhos, usando-os, evidente, com a devida cautela.

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O desejo de luz

Palavras de Simone Weil, em minha tradução:

Se procurarmos com verdadeira atenção a solução de um problema de geometria, e se, ao cabo de uma hora, não estivermos mais avançados do que no início, ainda assim teremos avançado durante cada minuto desta hora em uma outra dimensão mais misteriosa. Sem que possamos sentir, sem que possamos perceber, esse esforço aparentemente estéril e infrutífero colocará mais luz em nossa alma. (…) Se realmente houver desejo, se o objeto de desejo for realmente a luz, o desejo de luz produzirá luz.

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O verdadeiro artista

Semanas, talvez anos de meditação, trabalho árduo, recolhimento e esforço psicológico intenso para dar luz a uma obra que não fará muito mais do que lhe expor toda a fragilidade e imperfeição: eis a realidade do verdadeiro artista. Lidar com o retorno financeiro mínimo e quase sempre lhe julgar os esforços não recompensados. Ademais ver as críticas, em sucesso ou fracasso, marcando-lhe a presença obrigatória. Como explicar? Quem trabalharia diante de tal sorte? Publicar uma obra é não menos que a exposição total. E se assim concluímos, será forçoso adicionar que o verdadeiro artista, o que se esforça por gravar-lhe as impressões e sentimentos em obra artística, seja ela qual for, podem faltar-lhe as demais qualidades, mas não esta: a coragem.

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Críticos literários

É muito, muito difícil que um crítico literário não se torne um difamador. E isso é fácil de entender: o crítico vê-se, na maioria das vezes, diante de algo que gostaria, mas não consegue produzir, seja por falta de coragem ou talento. Assim, com alimento diário, a inveja só tende a crescer. Isso é algo natural desde os menores aos grandes. Vejamos um exemplo emblemático: o enorme Vladimir Nabokov. Mesmo ele, intelectual de primeiríssima ordem, não escapou da emboscada, sendo capaz de entregar-nos uma análise absolutamente brilhante de Anna Karênina em volume unido a páginas desprezíveis e invejosas sobre a obra de Dostoiévski. Percebam vocês que falamos de críticos: ainda estes, os que buscam analisar e julgar sinceramente os aspectos artísticos de uma obra, estão sujeitos à tão ingrata sorte. Há ainda uma ala pior, significativamente pior: a ala dos panfletários. Mas estes, desculpem-me a indelicadeza, não merecem senão o desprezo total.

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