Manuel Said Ali

Li, em sequência, Dificuldades da língua portuguesa e Versificação portuguesa, de Manuel Said Ali, filólogo e sintaticista brasileiro. Qual não foi minha surpresa! Busquei Said Ali em indicação de Manuel Bandeira, e vi em ambas as obras uma visão ímpar sobre nossa língua. Na primeira, Said Ali ilumina questões escabrosas do idioma, como o infinitivo pessoal, o espantoso pronome “se” e os particípios duplos, exibindo ostensivo domínio e noção viva da formação e evolução do português. Na segunda, bom, peguemos emprestadas as palavras de Manuel Bandeira que prefaciam o livro:

O compêndio Versificação portuguesa, ora editado pelo Instituto do Livro, parece-me, não obstante sua brevidade e concisão, o mais inteligente e incisivo que sobre a matéria já se escreveu no Brasil, senão também em Portugal. O eminente Prof. Said Ali, de quem tive a honra de ser aluno de alemão no colégio Pedro II, (…) a quem devemos tantas contribuições magistrais ao estudo de nosso idioma, não é um poeta. Mas o seu íntimo conhecimento da poesia latina e da poesia das grandes literaturas ocidentais dá-lhe competência para versar o assunto com uma autoridade que não terá talvez nenhum poeta da língua portuguesa.

Findas as leituras, não poderia estar mais agradecido. Manuel Said Ali, após extensos estudos, logrou resumir com clareza e precisão inúmeras questões dúbias de nosso idioma e iluminar outras tantas com análises excepcionais. Registro aqui, pois, minha indicação e meu respeito pela obra do professor.

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Alfred de Vigny: “La solitude est sainte”

“La solitude est sainte” — assim disse, no século XIX, o poeta romântico francês Alfred de Vigny. Hoje, julgo impossível redigir uma frase como essa; quer dizer: as pedradas seriam a recepção inevitável. Em nossos dias, tudo é coletivo: os homens estão, de mãos dadas, a cirandar em torno do belo mundo que compartilham. E se, por um momento, alguém vê irromper em si um impulso ao retiro, uma necessidade de solidão, pois que não faça alarde! Caso contrário, será esmagado como um inseto, censurado por qualquer que tenha o desprazer de ver-lhe a falta de maturidade social. O solitário é um doente, não ter em si o senso de coletividade é ser inferior. Hoje, só o bem comum interessa, e só ao bem comum deve direcionar-lhe os esforços alguém sensato, moderno e consciente. Sendo assim, não me considero senão um quadrúpede: julgo qualquer tipo de inteligência coletiva impossível e não tenho em mim qualquer senso de pertencimento. O ser humano, para mim, só se desenvolve intelectualmente no silêncio e no retiro. Por isso não posso ser lido, e por isso não encontro sequer um livro de Vigny em português na Amazon ou na Saraiva. Este século é espaçoso demais para ceder albergue à solidão.

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O idiota, de Fiódor Dostoiévski

O idiota, de Fiódor Dostoiévski, é certamente um livro que abordarei em outras oportunidades. A obra, assim como Don Quijote de la Mancha, de Cervantes, é genial e pode confundir os incautos. Como disse em outra ocasião, agradeço muito não ter taxado esse livro de cômico, e o fiz somente por tê-lo lido já com algum preparo intelectual. Dostoiévski consegue, mais nesse do que em outros livros, dar amplitude à sua obsessão por personalidades tocadas pelo divino. O príncipe Míchkin, protagonista do livro, é a personificação do que se pode atingir de mais nobre enquanto ser humano. Dotado de bondade e complacência infinitas, o príncipe gera empatia onde quer que passe; entretanto, é incompreendido: seus semelhantes associam-lhe a candura à inocência, à falta de tino, taxando-o de idiota. Dentre todas as temáticas em Dostoiévski, é a deste O idiota a que mais me fascina: a elevação humana passando necessariamente pelo aniquilamento da vaidade. Míchkin sabe-se um incompreendido, ou melhor: sabe os outros julgarem-lhe um idiota; e mesmo assim não altera sua postura complacente para com ninguém. Que importa o que os outros pensam? Míchkin parece imune à concupiscência, e é capaz de fitar a maldade nos olhos, sendo luz pelo contraste com as sombras que evidencia em seu redor. Sua bonomia agride, molesta, e o convívio só lhe expõe a superioridade moral. Idiota? Assim como Aliócha, de Os irmãos Karamázov, parece Míchkin caminhar entre os homens para provar a assimetria entre o humano e o divino, a miséria e a graça, o terreno e o celestial. E prova-nos, indubitavelmente, toda a pequenez dos pequenos desejos, das pequenas vaidades e do orgulho, que aniquila o que talvez seria a única virtude humana digna deste nome.

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Amores incuráveis

Damos novamente espaço à pureza gramatical e profundidade de Camilo Castelo Branco:

Os olhos, durante a morosa convalescença, choraram-lhe de contínuo; os sonhos eram-lhe ainda suplícios de que despertava em brados e soluços; não obstante, a cura do amor, que chora, é certa: ferida de coração, onde possa chegar o agro e adstringente de uma lágrima, cicatriza cedo ou tarde. Amores incuráveis são os que desabafam em rancorosas explosões.

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