Se temos a forma como um meio, — e não como um fim, — e a técnica como expressão de uma individualidade, é preciso admitir um certo relativismo quanto à qualidade estética de uma obra. Melhor dizendo: embora muitos tenham tentado fazê-lo, não é possível estabelecer, em arte, critérios rígidos e universalmente aplicáveis para julgar uma obra. Especialmente quanto à técnica, não é raro vermos artistas de primeiro escalão parecerem cultivá-la de maneira antagônica, deixando óbvio, portanto, que este “como” é válido enquanto potencializador de uma individualidade que, esta sim, é medida razoável da grandeza de uma obra.
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Lemos um punhado de poemas coevos…
Lemos um punhado de poemas coevos e vamos percebendo: rompe-se com a pontuação, dispensa-se as maiúsculas, os versos são o mais das vezes curtos, e parece-lhes o efeito depender da estética e das palavras solitárias enquanto unidades de sentido. A verdade é que se tira efeitos interessantes de tais técnicas, já amplamente exploradas… Sugerem um como êxtase estas construções meio irracionais, meio exóticas e aparentemente desleixadas; mas parece a mais drástica mudança, no que tange à técnica, consistir em que os poemas tornaram-se peças visuais. Ainda que dependentes das palavras, têm eles a sonoridade como secundária, e são feitos para serem lidos, ou melhor, visualizados — jamais declamados. É certo: encontramos uma ou outra aliteração, um ou outro paralelismo; mas não quiseram ser tais poemas construções rítmicas. Há de se admitir: ainda que por vezes careçam de técnica, em muitos deles encontramos gênio — o que sem dúvida é superior…
Admira ver o autor que intercala sons e imagens
Embora não seja possível dizer que haja algo como o método de narrativa ideal, admira ver o autor que intercala sons e imagens, ações e pensamentos, como que estimulando todo o nosso aparato imaginativo. Tal balanço confere o mais das vezes uma dinâmica estimulante às linhas que lemos, e parece grande parte dos efeitos da obra derivarem destas variações que tornam as singularidades mais salientes. A uma cena estática, descritiva, segue-se uma ação repentina, que desemboca em reflexões e assim por diante; quer dizer: cada passagem acaba realçada em contraste com a anterior e com a seguinte; e, talvez, seja isso algo positivo para o conjunto.
O uso da tinta e do papel
É com grande entusiasmo que leio notas de escritores justificando, neste século, o uso da tinta e do papel. São os argumentos referentes à produtividade que mais me impressionam: para muitos, o ritmo cerebral parece ajustar-se melhor à escrita manual. Espanto-me por notar que, durante séculos, exatamente assim se fez literatura, por este método que é como avesso ao meu modo de escrever. Não há dúvida que há um certo charme, um certo encanto em ver a tinta no papel, em ver na caligrafia mais um traço da singularidade do autor, em ver a cadência natural da escrita à mão, pela qual lentamente as letras tomam forma, a ideia transforma-se em palavras e a criação mental concretiza-se materialmente. É tudo isso estimulante. Porém… que dizer? Afirmam tais escritores que a morosidade do método favorece a reflexão justa e, portanto, saem as palavras mais precisas. De minha parte, não conheço a escrita senão como um processo muito mais de destruição e reconstrução de frases: a mente, auxiliada pelo velocíssimo bater dos dedos nas teclas, jorra ideias desordenadamente na tela; o cérebro então raciocina e vai ordenando e modelando tais ideias, que vão sendo reescritas de maneira mais adequada. A cada duas frases, uma é completamente apagada e melhor conformada em nova tentativa; no fim do parágrafo, novas correções… Então fico aqui a imaginar que faria eu caso tivesse de adaptar-me ao papel e à tinta: e parece-me, mais do que nunca, justificada a sempre acesa fogueira de Kafka.